Por José Renato Salles, diretor da JR Salles Comportamento Organizacional e Coordenador do Módulo de Cultura Organizacional do Programa CEO da FGV EAESP
Uma das preocupações mais frequentes das famílias é que o novo papel de sócios assumido pelos membros das novas gerações não prejudique o vínculo de afeto entre irmãos e primos. Existe o temor de que as diferenças de personalidade e de competências, bem como as disputas por poder tão comuns nesses contextos, coloquem em risco não apenas a união da família, mas também o legado das gerações anteriores.
Dessa preocupação surge a demanda mais comum: acelerar o desenvolvimento de habilidades interpessoais, em especial as de comunicação assertiva para conversas difíceis; de negociação e resolução de conflitos; e de tomada de decisões por colegiados. Identifico muitas vezes o temor de que, se houver franqueza nas conversas difíceis, a outra parte se ofenderá. Por isso, adota-se uma postura passiva em benefício do relacionamento. Ou seja, abre-se mão de expressar necessidades e direitos na crença de que pelo menos o vínculo de parentesco fique preservado.
O problema é que esta crença não passa em testes de realidade, pois numa relação em que não há a segurança de se expressar direitos e necessidades, não haverá também a admiração e o respeito mútuos.
Outras vezes, identifico a crença de que, se alguém não for duro com o outro, não terá suas necessidades atendidas, adotando-se nessas ocasiões uma postura mais agressiva, sem muita preocupação com o impacto no relacionamento. A questão aqui é que necessidades atendidas a qualquer custo para o relacionamento não garantem a sustentabilidade da sociedade.
Fica claro, portanto, que tanto a postura passiva quanto a agressiva não atendem aos critérios de sucesso no negócio, na família e no desenvolvimento individual da família. Para isso, é preciso adotar uma postura mais ambiciosa, que se torna mais provável se a comunicação interpessoal for direta, franca e respeitosa. É o que chamamos de comunicação assertiva.
A comunicação assertiva se dá por expressarmos de modo franco e direto nossas percepções, preocupações, necessidades e direitos, ao mesmo tempo que reconhecemos o direito do outro em fazer o mesmo. Demanda também capacidade de ouvir com interesse genuíno de compreender o outro. A perseverança na prática dessa abordagem leva à percepção de que todos são ouvidos e compreendidos, mesmo que opiniões e posições continuem de alguma forma discordantes.
Aqui se faz necessária a segunda habilidade interpessoal: a resolução de conflitos, que implica criar acordos de benefícios mútuos que atendam à maior parte possível de interesses de todos os interlocutores. Pressupõe, portanto, confiança para se revelar os
verdadeiros interesses por trás das posições originalmente adotadas, e tal confiança é também fruto da comunicação assertiva que se estabeleceu entre os sócios.
Quando o ambiente é de segurança para revelar interesses e restrições sem medo da vulnerabilidade, a criatividade para um acordo de benefícios mútuos aumenta. Quando se persegue um acordo criativo, as partes só se sentem satisfeitas quando os interesses das outras também foram atendidos. Só é bom para um se também for bom para o outro.
Portanto, numa cultura de confiança e respeito fomentada por comunicação assertiva, resolução criativa de conflitos e decisões por consenso, o papel de sócio não é antagônico ao de irmãos e primos. Ao contrário, é pelo papel de sócio que se fortalece a relação de respeito e admiração entre eles.
Abrir mão da sociedade e escolher ser apenas a relação familiar pode tornar mais fácil o estabelecimento de uma relação interpessoal amistosa, amigável e construtiva, pois não há disputa por recursos, típica das relações entre sócios. Entretanto, escolher manter-se na sociedade e aprender a tomar decisões coletivas sobre recursos escassos de forma inclusiva, íntegra e generosa, pode levar os vínculos afetivos a níveis inimagináveis de respeito, admiração e carinho.
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