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Sucessão começa em casa

O sucesso na transmissão de valores decorre da convivência familiar, seja em torno da mesa da cozinha ou no sofá da sala, com base no diálogo e na liderança pelo exemplo.



Quando se fala na perenidade das famílias empresárias, surge uma questão fundamental: como será feita a transmissão dos aspectos intangíveis, que darão continuidade ao legado?Manter vivos os valores de origem é, ao mesmo tempo, muito simples e muito trabalhoso.


“Transmitir valores dos pais para os filhos, não importa se dentro ou fora do contexto da família empresária, exige conexão e diálogo. É a partir desses dois pontos que tudo o mais se constrói”, afirma Tai Castilho, psicoterapeuta de casais e famílias. E essa é uma via de mão dupla, em que os pais precisam entender e exercer sua paternidade, e os filhos devem ser preparados para receber o legado das gerações anteriores. “Quando isso não acontece, é comum cairmos no modelo tradicional do pai que é somente o provedor e não interage com os filhos. Nesse caso, a formação do filho fica com a mãe e, assim, os valores do pai precisam primeiro ser reconhecidos na família”, explica.


“Essa visão tradicional não se encaixa mais no mundo contemporâneo”, decreta Tai. O que leva a conflitos. Por isso, falar em transmitir os valores da família empresária depende, em primeiro lugar, do próprio pai, que precisa exercer sua paternidade, em vez de se limitar ao papel de “trazer o dinheiro para casa”.


A especialista explica que a visão tradicional, de gerações passadas, daquele “pai empresário”, com uma vida de sucesso, distante e com compromissos importantes, acaba criando um lugar mítico. “Nesse modelo tradicional, a mãe, que ficava em casa e educava os filhos sozinha, acabava sendo a mediadora do diálogo entre pai e filhos, pois não existia uma comunicação direta”, comenta. Como os filhos nunca lidaram com o pai real, que tem qualidades e defeitos, fica difícil desconstruir a imagem de super herói.


Novos modelos pressupõem uma caminhada em parceria, em que ambos, pai e mãe, estão continuamente transmitindo e reforçando os valores familiares.


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HÁ ESPINHOS

Para a terapeuta Rosely Gomes, não existe transmissão de valores se pais e filhos não estiverem presentes. Em tempos pós-pandêmicos, em que o home office se tornou frequente, isso é mais difícil do que parece - apesar da presença em casa. “Não é somente estar em casa, é preciso participar do que acontece, dedicar tempo para conversar. Com o trabalho remoto isso se confundiu, pois as pessoas ficam em casa e não conversam entre si. A transmissão de valores depende da presença de todos e de um processo em que um conta qual é o valor, dá o exemplo e é coerente o tempo todo com o que se prega. Quando isso acontece, a criança entende uma mensagem coerente e absorve aquilo como sendo positivo”, explica.


E como fica a transmissão quando é natural que cada pessoa na mesa esteja imersa no universo do seu próprio telefone celular? “Não acontece, simples assim”, conta Rosely. “É preciso olhar no olho, conversar, explicar, muitas vezes dizer ‘não’ quando algo vai contra

os valores. É argumentar, insistir, conversar. Dá trabalho? Claro que sim. Mas é assim que se criam limites, que organizam os valores e o entendimento do que pode e do que não pode em uma relação”, reafirma.


Assim, dia após dia, os valores vão sendo transmitidos, um pouco por vez, seja no alerta sobre o que é negativo ou no reforço do que é positivo. Em parte por palavras, mas principalmente pelo exemplo. “Se você dá o exemplo, as pessoas entendem mesmo quando nada é dito. Os valores precisam ser reais e práticos – e isso vale tanto para pessoas quanto para empresas”, diz Rosely. É por isso que, para ela, os valores

da família empresária nascem dos próprios valores de origem dos familiares, desde as gerações anteriores. “Não pode ser algo inventado, pois precisa ser genuíno”, explica.


Como se não bastasse tudo isso, o mundo não é “preto no branco” – é dinâmico e depende de interações. Por isso, até mesmo na transmissão dos valores, é preciso mostrar nuances e inserir variáveis dentro do contexto familiar. Isso depende de tempo e de muita conversa. “Sustentar essa conversa com os filhos passa por aproveitar os pequenos dilemas que as crianças trazem da escola, utilizando o próprio cotidiano delas para discutir os valores familiares. É preciso debater, conversar e se colocar no ambiente das crianças. Por tudo isso, é difícil sustentar a convivência diária, e conheço poucas famílias que se dispõem

a fazer isso”, afirma Rosely.


UMA CORRIDA DE REVEZAMENTO

Não é à toa que nem toda família empresária consegue encaminhar a transição de gerações, pois sem os laços construídos ao longo da vida, não há perenidade. Para a terapeuta Rosana Galina, a construção desses laços ainda precisa respeitar a individualidade de cada membro da família. “A formação das novas gerações

não deve ser algo que formata, e sim algo que desenvolve e extrai do outro aquilo que ele pode oferecer”, comenta.


Para a especialista, o desenvolvimento da família empresária deve ser encarado como uma corrida de revezamento, em que cada geração carrega o bastão por algum tempo e então passa para o próximo. “Como em uma corrida, todos têm o mesmo objetivo, mas é preciso ter entrosamento para fazer a passagem do bastão. E quem recebe precisa estar preparado para receber”, compara.


Esse preparo é feito muito antes da passagem do bastão, com harmonia entre o que se quer transmitir e a capacidade que a nova geração tem para absorver o que é transmitido. “Não é somente absorver, é retrabalhar, pois cada pessoa é única e os valores precisam ser atualizados conforme o tempo passa, para lidar com uma sociedade que também muda”, afirma.


Para Rosana, é preciso separar a transmissão de valores e a continuidade dos negócios. Estar focado somente na perenidade da empresa cria uma prisão, não uma escolha. “Passar o legado não pode ser uma camisa de força, e sim a continuidade de algo que é importante, tanto para os mais velhos, quanto para os mais novos. Assim, cada um pode deixar sua marca e contribuir para a evolução da família empresária”, completa.


matéria publicada na revista Gerações 2023: https://www.hoft.com/revistas

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