O colunista Renato Bernhoeft escreve sobre o perfil de estrangeiros que decidem empreender em terras brasileiras
Ao examinarmos a história empresarial brasileira é possível observar um fenômeno que já vem desde o século XIX e chega até os dias atuais, do século XXI. Estou me referindo ao fato de que um significativo contingente de empresas familiares criadas no país tem como figuras fundadoras imigrantes ou migrantes. Ou seja, pessoas que chegaram ao Brasil fugindo de adversidades como guerras, conflitos políticos, econômicos, sociais ou ideológicos.
A primeira leva tem como origem os países europeus que estiveram envolvidos nos conflitos da primeira e segunda guerra mundial. Italianos, alemães e outros povos envolvidos pelos conflitos se destacam nesse quadro. Posteriormente houve um forte fluxo de japoneses e de outros países asiáticos. Libaneses e sírios compõe outro agrupamento significativo, que também contribuiu para o desenvolvimento de negócios criados por empreendedores que enfrentaram dificuldades de integração ao mercado de trabalho nacional.
Paralelamente, também merece registro o volume de migrantes que se movimentou dentro do país. Com destaque os nordestinos, que migraram para o sudeste, da mesma forma que um forte contingente que se deslocou do sul para a região central do país. Basta observar o “perfil” dos empreendedores que desenvolveram a hoje representativa economia do agronegócio, muito presente no Mato Grasso, Mato Grosso do Sul e Goiás, entre outros estados.
O assunto chamou minha atenção pela recente pesquisa realizada pela agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para refugiados (ACNUR), divulgado pela mídia, no dia 20 de junho, considerado o Dia Mundial dos Refugiados.
Um dos pontos que merece destaque é a mudança do perfil da origem desses novos imigrantes. Segundo a pesquisa “ao longo dos últimos anos houve redução do número de imigrantes oriundos de países europeus e aumento de quem veio da América Latina. ”Considerando os dados mais recentes, do ano de 2021, Venezuela, Haiti, Cuba e Angola se destacam como países com a maior participação no mercado de trabalho brasileiro.
A maioria dos empreendedores inicia seu negócio após estar no país por um período de três anos. Vale também destacar que a maioria (60,3%) deste grupo que opta por empreender é constituído por mulheres, sendo que 71,4% possuem CNPJ, 55,6% trabalham sozinhos, e 60,3% têm um faturamento de até R$ 5 mil ao mês, segundo o estudo.
Entre os segmentos dos negócios se destacam gastronomia (60,3%), seguido de artesanato (11,1%) e confecção (7,9%). Curiosamente, no campo da alimentação, os negócios não concorrem com a gastronomia brasileira. Os imigrantes procuram desenvolver um cardápio com as características do seu país de origem.
Os obstáculos listados por esse conjunto de empreendedores começam com a compreensão e o atendimento das exigências legais e burocráticas (22,6%), recursos financeiros e dinheiro para investimentos (21,5%), seguido pelo idioma (15,1%).
O que vale registrar é que esse perfil de imigrantes empreendedores demonstra que um olhar para o futuro ainda mostra uma forte participação de imigrantes e migrantes no perfil das empresas familiares brasileiras. Ou seja, no processo de sucessão, a questão familiar ainda estará muito vinculada à cultura de origem do fundador e sua integração com a realidade brasileira. Assunto que merece ser acompanhado, com interesse, pelos estudiosos, pesquisadores, entidades de classe e universo acadêmico.
matéria publicada no jornal valor econômico em 25/08/23
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