Para as famílias empresárias, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) tem impactos profundos e de longo prazo sobre os negócios.
Como acionistas, atuais ou futuros, todos os membros de uma família empresária deveriam se dedicar a compreender exigências legais, movimentos globais que passam a vigorar regionalmente, e demandam a adequação e melhoria de suas operações.
Promulgada em 2018, a Lei Geral de Proteção de Dados, conhecida como LGPD, não se trata apenas de uma legislação que dita regras para o cuidado com as informações dos consumidores. Inspirada na lei europeia (GDPR), ela deixa claro que as informações pertencem aos usuários, e que as empresas têm diferentes papéis como guardiãs processadoras desses dados. Representa, para o mercado brasileiro, o reflexo de um dos grandes marcos mundiais de privacidade e acesso à informação dos clientes.
“A LGPD se aplica a toda empresa que detêm dados pessoais. No caso das famílias empresárias, porém, seus impactos se relacionam até mesmo a processos de sucessão e saída de sócios”, comenta Marcela Ejnisman, sócia da TozziniFreire Advogados na área de Privacidade e Cybersecurity. Se até agora o movimento das empresas tem sido no sentido de se adequar à lei, aos poucos vai ficando claro que a adoção da LGPD pode ter efeitos positivos nas práticas de separação de papéis e responsabilidades, aspectos fundamentais para a estruturação e fortalecimento da governança.
Para a especialista, a LGPD também tem consequências que podem afetar a reputação dos acionistas. De um ponto de vista mais estratégico, ela pode evitar problemas de imagem para as famílias empresárias. “De uma perspectiva ampla, não aderir à LGPD mostra pouca preocupação com os aspectos legais, o que é negativo para toda a estrutura do negócio”, analisa. Nesse caso, a não-conformidade à LGPD pode pesar no bolso. “Incidentes de vazamentos de dados são muito atraentes para a mídia, pois chamam muito a atenção e afetam toda a sociedade. A imagem corporativa e, como consequência, dos acionistas, pode ficar arranhada caso haja um problema sério de segurança de dados”, diz a advogada.
Sua visão é compartilhada por outros especialistas. Para Marthina Teixeira, advogada com diversos projetos de implementação de LGPD realizados nos últimos anos, as empresas de controle familiar são negócios com um tipo especial de relacionamento com a comunidade onde estão inseridas. “É uma relação ainda mais baseada em confiança e na forte inserção da empresa naquele mercado. E essa confiança, quando abalada, demora para ser reconstruída”, analisa.
UM NOVO NÍVEL DE GOVERNANÇA
A LGPD indica que as empresas passam a ser responsáveis pela guarda e tratamento de dados pessoais dos seus clientes. Quanto mais as famílias avançaram na estruturação da governança, mais rapidamente estarão adequados à lei, criando fronteiras para que somente as pessoas diretamente relacionadas ao uso daquelas informações possam acessá-las. “Uma questão importante que passa pela empresa é o cuidado com os dados pessoais de sócios ou membros da família que não atuam na empresa. Em famílias empresárias estruturadas com Conselho Sócio-Familiar, Conselho de Administração e outros fóruns que garantem a separação entre negócio, sociedade e empresa, esse ponto se resolve. Mas quando não há essa separação, o desrespeito à LGPD pode criar oportunidades para o vazamento de informações sensíveis relacionadas aos membros da própria família empresária”, alerta Marthina.
Na opinião de Marcela Ejnisman, da TozziniFreire, é importante que sócios e acionistas estejam atentos e monitorem a adequação dos negócios à LGPD. “O Brasil tem uma cultura corporativa em que funcionários e empresas sempre solicitaram mais informações do que seria necessário. Mudar essa cultura não depende apenas da área jurídica ou do diretor financeiro da empresa”, explica. Segundo ela, acionistas, conselheiros e a alta diretoria precisam se envolver na questão de LGPD para criar uma “corrente de conformidade”. “Vemos que quando o respeito à LGPD vem do Conselho de Administração, esse exemplo se dissemina por todo o negócio”, acrescenta.
Para Marthina Teixeira, empresas com uma governança mais estruturada têm demonstrado mais confiança na adoção da LGPD. “Quem está mais avançado na governança já passou por muita conversa e entende os limites de seus papéis como executivo e sócio. Nesses casos, a LGPD interfere mais na garantia de confidencialidade dos dados do que em uma mudança cultural profunda”, acredita.
Segundo ela, é importante entender que a LGPD deu mais visibilidade às questões de privacidade e segurança dos dados utilizados pelas empresas – e esse assunto veio para ficar. “Com a pandemia, tivemos toda a questão de reuniões virtuais, troca de mensagens e comunicação digital, o que aumenta a exposição dos dados em várias situações. A evolução tecnológica vai aumentar ainda mais o uso de dados. Por isso, é muito importante que as empresas estabeleçam políticas e processos sólidos de gestão e privacidade da informação, com uma visão de continuar a evoluir ao longo do tempo”, completa.
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