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MUITO ALÉM DE UM CONTRATO - PROTOCOLO OU ACORDO

Ainda pouco esclarecidos, estes documentos permitem que os sócios estabeleçam as principais regras de convívio.


A legislação brasileira permite a criação de inúmeros tipos de sociedade. As mais comuns, já há alguns anos, são as sociedades limitadas (LTDA.), e as sociedades por ações (S/A). Procurando diferencia-las didaticamente, e até de maneira bastante simples, pode-se dizer que, a primeira é considerada uma sociedade de pessoas, ou até uma sociedade por afinidade, onde as pessoas se escolhem, e os sócios passam a existir no momento em que assinam o contrato social. Pode-se prever que este contrato discipline o funcionamento da empresa e a relação entre os sócios.


Já as sociedades por ações são formadas pela associação de capital, onde o investimento de várias pessoas é reunido em uma sociedade da qual elas são acionistas. Este modelo, considerado referência de sociedade de capital, é regido por um estatuto social, aprovado pelos acionistas em uma assembleia. Como não é um contrato, ele disciplina apenas o funcionamento da sociedade, mas não a relação entre os sócios.


Como as sociedades limitadas já eram reguladas pelo Código Civil desde de 1917, em 1976 a chamada Lei das S/A, número 6.404/76, criou a figura do acordo de acionistas com o objetivo de disciplinar as relações entre eles.


Martin Pose, sócio do TozziniFreire Advogados, reforça que o acordo, conceitualmente, regula dois direitos: os políticos e os econômicos. “Político é o direito de voto. Econômico, é o direito ao lucro. Basicamente o acordo societário regula isso. Há outras coisas que podem ser reguladas, como a educação dos herdeiros, quem pode participar de determinados departamentos nas empresas etc.”


Para o advogado, não existe um momento correto para que o acordo seja criado. Isso vai depender muito do grau de maturidade e de complexidade da sociedade. “Quanto mais uma sociedade se desenvolve, cresce e se fortalece, mais necessárias são as regras de relacionamento”, afirma. “Idealmente, ele deve nascer junto com a empresa, mas torna-se fundamental quando a sociedade começa a se desenvolver, incluindo vários irmãos ou núcleos familiares diferentes e torna-se importante definir quem controla, quem administra, como se entra e sai da sociedade”.


Wagner Teixeira, sócio da höft, destaca a importância do debate do documento entre os membros da família, já que não se trata somente da estruturação legal da relação dos sócios com a empresa, mas de uma oportunidade de se realizar o processo educativo de seus membros. “Quando falamos em protocolo familiar societário, que abrange mais de 50 itens, estamos criando um documento que busca ao mesmo tempo registrar todas as intenções desta família empresária nos três sistemas – Família, Patrimônio e Empresa – e também realizar um processo inclusivo e educativo entre seus membros, facilitando a compreensão cada vez melhor deste funcionamento”, afirma.


Teixeira lembra que a mistura destes três sistemas é, comprovadamente, uma armadilha para a família empresária. Por isso, separar os assuntos dos três sistemas e suas relações ajuda a educar a família com as fronteiras necessárias para a continuidade. “Isso é importante porque os assuntos de família muitas vezes são de aspectos comportamentais e morais, já os de patrimônio são legais e devem ser debatidos, envolvendo todos os sócios e potenciais sócios, ou seja, os familiares e registrados no protocolo e posteriormente formalizados em Acordo de Acionistas ou de Sócios”, explica.


Ainda sobre sociedades familiares, o advogado Humberto Balieiro, da Balieiro Advogados, diz que o acordo é especialmente importante no momento da sucessão do fundador para seus herdeiros. “Você passa a ter uma sociedade que será controlada por vários herdeiros, por isso é importante um acordo que discipline essa relação”, diz. Mas isso não quer dizer que ele só deva ser aplicado aí. Ao contrário, quanto mais cedo ele for redigido e aprovado, mais a empresa estará preparada.


Curiosamente, a preocupação com a criação do acordo tem partido, muitas vezes, dos fundadores, no momento em que percebem que está chegando o momento da sucessão. “Estas regras são importantes para fortalecer a empresa e guia-la. O acordo tem a grande função de proteger o negócio, porque a sucessão pode representar um risco muito grande para as empresas familiares. O acordo pode afastar esse risco e garantir uma passagem tranquila”, explica.


Pose defende que, do ponto de vista legal, é interessante que as empresas tenham o acordo. “Agora, o que levar em conta na hora de formalizar o acordo vai depender da dinâmica da família”, diz, citando o exemplo de famílias que não admitem sócios não descendentes. “O acordo é desenhado dependendo do querer das pessoas que integram aquela família”, diz.


Ele vai além, e lembra que o acordo complementa o estatuto ou contrato social. “Há coisas sensíveis que as empresas não querem colocar no contrato social, aí entra o acordo societário”, explica. A dúvida surge porque a aplicação do acordo ainda não é comum entre as empresas brasileiras. Mas esta é uma realidade em mutação.


“O fortalecimento das sociedades das empresas brasileiras, o tempo e o amadurecimento dessas empresas faz com que cada vez mais essa ferramenta venha sendo utilizada”, conta Balieiro, lembrando que a procura aumenta na mesma proporção do tamanho e da complexidade da relação entre os sócios.


Pose cita ainda a segurança na manutenção das regras garantida pelo acordo. As regras podem estar no contrato ou no estatuto social, mas estes podem ser mudados: numa limitada, por 75% dos sócios; e, numa sociedade anônima, por 50% mais um voto. “Já o acordo societário precisa da unanimidade para ser mudado”, lembra.


Por isso, Balieiro, Pose e Teixeira defendem que é uma iniciativa que vale a pena. O grande benefício é a proteção da empresa, inibindo conflitos por meio dos mecanismos criados para que eles sejam dissipados. Pose explica ainda que o acordo pode ser feito em diferentes níveis, por exemplo, entre sócios de uma holding e, posteriormente, entre holdings que sejam sócias de uma empresa. “O importante é que não conflitem entre si”, diz.


Por outro lado, o acordo sempre pode ser interpretado de formas diferentes, por isso é importante que ele seja o mais claro possível, para que a maior parte das pessoas entenda exatamente o que se quis dizer. Para tanto, Teixeira defende que todos se envolvam na construção do documento. “O envolvimento ajuda a deixar claro o que se pretende com o texto”, conclui.


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