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O ALICERCE DA CONTINUIDADE

por Renata Bernhoeft e Wagner Teixeira



Toda família empresária é uma empresa familiar, mas nem toda empresa familiar se torna uma família empresária. Por que? Ser uma empresa familiar significa ter o controle nas mãos de uma ou mais famílias. Por outro lado, tornar-se uma família empresária implica em uma decisão de longo prazo, um compromisso coletivo com a continuidade que intenciona atravessar gerações.


São muitas as tarefas que uma família empresária precisará dedicar-se a cumprir para garantir sua continuidade. Não se trata somente de discutir quem será o próximo presidente da empresa. A empresa é apenas a parte mais visível deste processo, que inclui uma série de ações de alinhamento familiar e societário que precisam ser estruturadas. Ainda que não haja nenhuma exigência de mercado e possam ocorrer de maneira imperceptível, estas ações vão requerer da família muita disciplina, dedicação e comprometimento.


Para explicitar as tarefas que uma família empresária terá que realizar, criamos um modelo matricial que adota uma metáfora: a estrutura de uma casa. Como em uma construção, essa metáfora traduz de maneira sistemática e simbólica a estrutura: com seu alicerce, pilares, vetores que a manterão em pé e sólida, buscando atingir o objetivo maior, a continuidade.


Os pilares da casa simbolizam as áreas fundamentais que precisarão ser desenvolvidas no projeto de continuidade: preparo do capital humano da família, formalização das estruturas e visão de futuro. Já os 3 vetores representam as frentes de trabalho: individual, coletivo e educacional; que precisarão ser abordadas, incentivadas e coordenadas para compor um planejamento da continuidade.


É no cruzamento entre pilares e vetores que nascem os projetos para transformar-se em uma família empresária. Cada um deles precisará ser desenvolvido e administrado com um nível de responsabilidade e profissionalismo muito parecido com os exigidos nas empresas da família.


Voltando à nossa metáfora, como numa casa, o aspecto mais importante a ser considerado, é a construção do alicerce ou uma verificação das fundações existentes, sobre o qual a continuidade será construída.


O alicerce é fundamental, porque é ele que vai possibilitar uma relação societária verdadeira e sustentável. Na maioria das vezes essa relação ocorre naturalmente na primeira geração, porque quando existem sócios na primeira geração, estes se escolheram. Da segunda geração em diante as relações societárias em uma família empresária surgem por imposição hereditária, ou seja, não houve liberdade de escolha em relação aos herdeiros e futuros sócios. Para que possa haver a perpetuação do negócio, é preciso investir tempo e energia na construção da relação societária, criando vínculos de confiança.


Poucos dão atenção a isso, mas o que de fato ameaça a continuidade de uma família empresária são justamente os fatores que estão na base da relação, geralmente invisíveis. Por mais que a família se dedique a todos os projetos que sustentam a casa, se o alicerce não estiver bem trabalhado isso pode significar uma ameaça permanente. Para facilitar a compreensão e o exercício de reflexão entre os membros de uma família e possibilitar trabalhar os fatores invisíveis mais comuns que prejudicam a continuidade, desenvolvemos um acróstico com a palavra ALICERCE:

Para cada item que compõe o alicerce existem questões a serem respondidas. O diálogo amplo e o registro das conclusões tornam-se a base fundamental para a continuidade. As empresas familiares que desejam tornar-se famílias empresárias têm aqui um bom guia para apoia-las neste processo:


A - AFFECTIO

O primeiro item de nosso alicerce é o affectio, termo em latim que pode ser traduzido como afeição. A questão: desejo ser, e me manter, sócio dos meus familiares? A sociedade é recebida por herança, mas cada um dos sócios tem a liberdade de permanecer ou não. Esta é uma pergunta que deve ser feita a cada sócio e a cada geração, fortalecendo o vínculo, porque não há contrato que segure pessoas que não querem estar juntas. Um desejo genuíno de permanecer juntos e que seja renovado sempre que necessário.


L - LIDERANÇA

Aqui a questão é: reconheço que existem distintas lideranças? Aqui está implícito também o reconhecimento de que a liderança na empresa pode não ser a mais importante dentro da família empresária. Ao contrário, há distintos níveis de liderança que a família empresária precisa organizar para se manter unida. Por exemplo, um bom executivo pode não ser tão bom na construção de relações societárias. Existem dimensões diferentes de liderança e as escolhas devem ser coletivas. Para cada liderança existe um perfil mais adequado.


I - INCLUSÃO

As famílias empresárias também devem se perguntar: praticamos a inclusão e o envolvimento? Isso significa definir qual o conceito de família e quais membros serão envolvidos. É bom ter clara a necessidade de trabalhar com a ideia de construção do futuro. Por exemplo: não adianta querer deixar os cônjuges excluídos de determinados temas, porque eles também são responsáveis pela criação da próxima geração de sócios. A inclusão abrange também a transparência. Isso significa que toda a família precisa ter cada vez mais acesso a informação e sentir que é tratada de forma transparente. A inclusão e o envolvimento é que vai gerar o compromisso de todos.


C - COMUNICAÇÃO

É o calcanhar de Aquiles de muitas famílias e a pergunta é simples: praticamos o diálogo? Para que ele ocorra de forma saudável é preciso criar um modelo que valorize atitudes abertas e considere o respeito mútuo e a busca constante de uma relação adulto-adulto. Por exemplo: posicionar-se de maneira adulta em qualquer conversa familiar ou de negócio. Também é preciso separar os papeis (pai, dono, presidente, filho, herdeiro, diretor) e criar canais distintos. Cabe aqui registrar as maneiras como a família estabelece novos padrões, dialogando e criando compromissos em conjunto para que isso ocorra.


E - EQUILÍBRIO

Praticamos o equilíbrio em nossas ações? Lembrando que equilíbrio significa harmonia, estabilidade e solidez, e representa o estado daquilo que se distribui de maneira proporcional. A resposta a esta questão é que vai levar à prática e a busca do equilíbrio nas ações da família. Por exemplo: realizar um planejamento para os próximos 5 ou 10 anos para a família empresária, com tanto cuidado quanto para a empresa. É preciso encontrar o ponto certo entre família e empresa, equilibrar os dois universos faz parte do desafio da continuidade, valorizando os aspectos positivos de ser uma família e ter uma empresa.


R - RESPONSABILIDADE

A questão aqui é direta: a família quer ser uma família empresária? Significa assumir toda a responsabilidade decorrente deste compromisso. Em caso positivo, a decisão vai requerer uma série de mudanças. Isso porque a família empresária é diferente da família que tem participação na empresa. Seria como assumir um padrão diferenciado, por exemplo: ser uma referência para outras famílias. A família empresária tem um propósito definido, assim como valores e visão, não apenas da empresa. Mais que isso, a família empresária deve ter uma atitude produtiva e empreendedora, o que exige conhecimento contínuo e compartilhado.


C - CONFIANÇA

Praticamos ações que reforçam a confiança? Cada membro da família empresária deve ter claro que ser parte deste grupo exige mais transparência. Isso significa cumprir a regra de ouro (fazer aos outros somente o que quiser que seja feito a si mesmo) e resgatar atitudes simples no dia-adia. Por exemplo: fazer uma reflexão sobre as ações que geram confiança. A base da confiança é sermos genuínos uns com os outros.


E - EQUIPE

Finalmente: estou disposto a mudar do eu para o nós? Com a decisão de se tornar uma família empresária, seus membros passam a ter papeis distintos, porém com uma correlação maior que no modelo tradicional. Por exemplo: adotar novos processos decisórios, incluindo opiniões e visões ao invés de apenas seguir a ideia de ter um “dono”. Os familiares assumirem sua parcela de responsabilidade como sócios. Isso exige uma mudança de modelo, deixando para trás as fortalezas individuais e assumindo a força do grupo.

Estas questões precisam ser respondidas pela família, e cada um de seus membros, incluindo os familiares adultos neste debate e registrando as diretrizes para a continuidade. Na prática, periodicamente, em reuniões ou nos encontros de família, estas diretrizes precisam ser trabalhadas e fortalecidas para que, por exemplo, cada um se questione: “como avalio minha contribuição em nossa família empresária em cada um destes aspectos? ”Este é um processo vivo e que necessita monitoramento. O alicerce, debatido e registrado, será a base para desenvolver os projetos que sustentam a continuidade, abordando os pilares relacionados aos vetores. Será o início da formação da família empresária.

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