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Saber tratar as perdas faz toda a diferença na evolução da família empresária



Ao longo de nossa vida vivenciamos diversas situações de perda, elas fazem parte de

nosso crescimento. Seja nas experiências de infância: a escola ou o esporte; na vida adulta: em projetos ou na vida profissional; ou no âmbito da família: a vivência de uma separação, ou do inevitável falecimento. Nas famílias empresárias isso não é diferente, é preciso aprender a lidar com perdas ao longo de sua existência, principalmente porque podem trazer impactos importantes para as relações familiares e para o desenvolvimento dos negócios.


“A expressão ‘família empresária’ deixa claro que o negócio e a sociedade estão intimamente associados e, muitas vezes, se misturam. Por isso, as estruturas da família e da organização são muito importantes para lidar com situações de perda”, afirma Moises Groisman, médico psiquiatra, terapeuta familiar e diretor da Núcleo Pesquisas.


“Perdas sempre geram consequências, mas a maneira como cada pessoa encara essa perda é que determina qual é essa consequência”, analisa Rosely Teixeira Gomes, psicóloga e analista com experiência em atendimento a famílias empresárias.


A transição de gerações, por mais previsível que seja, também pode significar uma perda de identidade. “O fundador criou a empresa, está há décadas no comando da operação e, então, precisa fazer a sucessão. Do ponto de vista pessoal, é preciso rever a identidade desse executivo. É uma perda simbólica, normalmente não reconhecida socialmente e, por isso mesmo, difícil de lidar”, comenta Ana Lucia Naletto, terapeuta familiar e psicóloga

especialista em luto.


Famílias empresárias adicionam um componente extra a este complexo cenário: elas não gostam da sensação de perda. Não que alguém realmente possa gostar disso, mas a cultura do fundador está envolta numa aura de constante superação.


Considerando todos esses aspectos: como as famílias empresárias podem se preparar para lidar com as distintas formas de perda que acontecem ao longo da vida?


ACEITE AS MUDANÇAS

A única certeza na vida é que tudo muda, mas isso vai contra o mecanismo de controle que todo ser humano procura estabelecer em suas vidas. “O controle é como o sal: se for em grande dose, estraga a receita”, compara Ana Lucia. Quando o controle enrijece a família empresária e dificulta a evolução das pessoas, da sociedade e do negócio, acaba por gerar sofrimento e não dar flexibilidade para lidar com diversas situações.


Quanto mais flexível for a família, melhor será a relação com as mudanças que naturalmente acontecem ao longo da vida. “A capacidade de lidar com mudanças é como um músculo, que se fortalece com autoconhecimento, terapia e muito diálogo nas famílias”, receita a psicóloga.


O problema é que nem sempre as pessoas entendem que a situação presente é passageira, ou pior tendem a negar ou minimizar o sofrimento decorrente de alguma perda. “Achamos que sempre haverá tempo para lidar com os problemas mais tarde. Mas quem consegue tratar dos problemas imediatamente, de forma verdadeira, lida muito melhor com qualquer

tipo de mudança”, analisa Rosely. “Que espaço é dado para que a verdade seja discutida nas empresas e nas famílias? É preciso ter conselhos e momentos para que as questões sejam colocadas na mesa e tratadas de forma madura”, recomenda.


Investir no desenvolvimento emocional da família pode ser fundamental para cultivarmos o capital humano que fará diferença no futuro, pois a forma de lidar com as perdas dependerá da estrutura pessoal de cada integrante da família empresária.


ANTECIPE OS PROBLEMAS

Idealmente, deve-se falar das perdas e se preparar para elas antes que ocorram. “Um divórcio ou a busca por novos caminhos pessoais podem acontecer – e esses casos envolvem não apenas a questão pessoal, mas também têm consequências na estrutura societária”, explica Groisman. “Por isso é preciso estar preparado, propondo alternativas para cada possível perda e estruturando a governança. É melhor tratar o assunto com antecedência e saber o que fazer, em vez de só lidar com a perda quando ela acontece”, recomenda o psiquiatra.


Para Ana Lucia Naletto, quebrar o tabu e discutir essas questões com antecedência torna mais fácil lidar com as consequências das perdas. “Já é muito difícil lidar com ausências por causa da perda do afeto e da relação. Mas, nas famílias empresárias, há outros pontos envolvidos, como a perda do provedor, que obriga os familiares a lidar com questões financeiras, ou a perda daquele familiar que fazia as conexões entre as gerações. Esses desdobramentos nem sempre são sentidos logo de início, mas precisam ser trabalhados”, diz.


Para ela, ter que lidar com a empresa e com tudo o que envolve o negócio, como quem assinará os cheques ou tomará as decisões do dia a dia, é muito mais difícil quando a perda ainda está sendo processada. “Por isso, quanto mais a família se antecipa na preparação, mais protegida ela fica”, afirma.


Isso não significa que lidar com perdas seja simples – mas poderia ser ainda mais complicado. “É sempre um momento difícil, mas se a família não tiver nenhum preparo e tiver vivido como se nenhum tipo de perda fosse existir, passa a ser muito mais complexo lidar quando ela acontece”, conclui.


PERDAS CONCRETAS X PERDAS SIMBÓLICAS

Todo tipo de perda faz com que as pessoas envolvidas saiam de um mundo seguro e presumido para uma situação desconhecida, que gera medo e preocupação. “Dessa forma, separações, afastamentos, sucessões e mudanças no nível de responsabilidade dos integrantes da família empresária são formas diferentes de perda que precisam ser trabalhadas”, afirma.


A perda pode inclusive ser decorrente de uma mudança para uma situação supostamente melhor, mas que envolve deixar o terreno conhecido e se desafiar para ir além.


De modo geral, a sociedade tende a aceitar melhor as perdas concretas, como o falecimento de um membro da família. “Existe a ideia de que, por algum tempo, é natural e permitido que a família passe por um período de luto pela morte, mas a sociedade não acolhe tão bem os lutos simbólicos”, explica Ana Lucia. “Sentimentos de sofrimento e angústia não são validados e isso acontece em muitas situações”, acrescenta.


As famílias empresárias são ambientes onde a racionalidade tende a ser valorizada, então parte do desafio é criar espaço para o diálogo sobre os sentimentos de perda. Independente de serem aspectos concretos ou não, só as- sim avançará na criação de vínculos de consideração e confiança.


APRENDA A TRATAR AS PERDAS

Qualquer pessoa que não faça mais parte da empresa ou da família fará falta, pois tem um papel naquela estrutura. “E essa ausência não significa necessariamente a morte. Casais se separam, sócios podem ter visões diferentes sobre o futuro, executivos podem receber propostas para sair. Em todos esses casos, porém, a sensação de perda existe”, acrescenta Rosely.


“É preciso preparar família, sociedade e negócio para quando essa falta acontecer. Isso começa reconhecendo que as pessoas são provisórias, para que se crie uma empresa sólida que sobreviva à ausência delas”, diz Rosely.


“A ideia de que a empresa é eterna pode ser contraproducente quando ocorre o falecimento do líder ou quando algum sócio quer sair do negócio”, comenta Groisman. “Essa é uma das armadilhas da família empresária. Para superá-la, é preciso ter muito diálogo e abertura para discutir, com maturidade, questões que são espinhosas”, avalia.


matéria publicada em nossa Revista gerações 2022 | https://www.hoft.com/revistas

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