Segunda geração das Empresas Randon cultiva as raízes familiares sem deixar de avançar na profissionalização
As Empresas Randon fundada em 1949, em Caxias do Sul (RS), sempre teve como emblemática a figura do fundador, falecido aos 88 anos, que esteve no comando do negócio por praticamente 60 anos. Protagonizando uma história que começou em uma pequena oficina mecânica.Atualmente,um conglomerado de 11 empresas, com cerca de 8 mil funcionários. E uma história de transição marcante, que demonstra que a transição planejada e com investimento no capital humano pode criar as bases para a família empresária. A sucessão envolve sempre aspectos que vão além da substituição no comando dos negócios. A chegada da segunda geração, na Randon, marcava a mudança no processo decisório da organização. “Quando o meu pai era o presidente, ele liderava, dava os direcionamentos, era do jeito dele. Ele mandava e sempre o fez muito bem. Quando eu assumi como presidente, porém, o quadro mudou. As decisões são compartilhadas, primeiro com meus irmãos, e depois com um grupo de pessoas, um comitê executivo. É esse modelo que criamos e está dando certo”, conta David Randon, em referência aos resultados da empresa. “Basta ver que conseguimos passar por toda essa crise. A empresa está bem, os bancos dando créditos, os clientes nos apoiando, aumentamos o nosso market share, as margens estão melhorando. Tudo isso se fez com trabalho em equipe”, afirma. O modelo reflete a existência de um novo estilo de liderança. “Antes, o líder da família era também o líder do negócio. Estar na presidência não quer dizer que eu seja o líder da família. O meu papel é mais de executivo do que de filho, esses papéis têm de estar bem separados”, diz. E essa distinção tem um grau ainda maior. Tornar-se uma família empresária pressupõe administrar as interfaces entre os sistemas: família, patrimônio e empresa. “São três tipos de cadeira. Estou na interseção, sou parte da família, acionista e executivo. E, em cada uma, eu tenho de me sentar com um chapéu diferente para as decisões, é preciso ter um cuidado para isso”, explica. A estrutura da organização contribui para esse discernimento. “Nós dividimos muito claramente o que é o conselho de administração, e o que é o comitê executivo. Antes, o presidente-executivo era também presidente do conselho. O conselho me cobra, eu dou muita explicação, mesmo sendo meu irmão acionista, e eu também acionista. Eu me porto como executivo. E tem um detalhe: eu sempre levo um executivo comigo, até para o conselho de administração conhecer melhor as pessoas”, conta. Um desafio que colocou a liderança de David à prova, logo que assumiu a presidência, foi equalizar as expectativas do grupo heterogêneo que formava o comitê executivo. “Eram sete integrantes, além de mim. Havia pessoas de 35 a 70 anos. Imagina, lidar com a ansiedade da gurizada nova e com os mais velhos. Esse choque foi a parte mais difícil nos primeiros quatro anos, mas consegui. As novas gerações não querem mais o modelo de liderança por ordem, elas querem um modelo de gestão mais participativo, em que é preciso discutir mais e desenvolver argumentos”, observa. Um fator primordial quando se trata da transição de gerações é preparar-se para a convivência entre gerações adultas, pois no caso das famílias empresárias, sucessor e sucedido podem estar convivendo durante muitos anos, não se trata de troca de comando e sim de continuidade. Apesar de representar um novo estilo de liderança, David credita boa parte de seu aprendizado ao pai. Ele cita as principais lições deixadas por Raul Randon: “A primeira é ouvir mais do que falar. Quando se está liderando pessoas, o principal papel é saber ouvir e saber filtrar. A segunda é manter a proximidade com o cliente. Quando a corporação fica muito grande, essa sensibilidade se perde um pouco. Estar próximo te permite saber como está o mercado, olhar o que é preciso fazer e onde é possível melhorar”. Outro ensinamento do pai fundador foi saber delegar. E esse princípio foi usado na própria escolha do sucessor. O planejamento da transição na Randon começou em 2002. “Um dia, meu pai chegou e disse que os cinco irmãos deveriam decidir quem seria o novo presidente. E tornou isso público, falou em jornais”, conta. Em 2006, quando a sucessão estava na pauta, David e o irmão Alexandre estavam envolvidos nas operações da empresa. Daniel fazia MBA em Finanças, em Chicago (EUA) mas, em 2009, já havia ingressado na corporação e também era uma alternativa para ocupar o posto. Entre as duas irmãs, Maurien atua como diretora do Instituto Elisabetha Randon, onde se concentram as ações de responsabilidade social do grupo; e Roseli, médica, que fez sua carreira fora da empresa. A possibilidade de recorrer a um executivo do mercado foi levada em conta. “Nesses encontros com a família, tentando ver profissionalmente a melhor forma de fazer a transição, tínhamos as opções de buscar um executivo para tocar os negócios e nós ficarmos mais no conselho de administração. Mas quando definimos o perfil de como seria esse presidente, tanto eu, quanto meus dois outros irmãos, tínhamos condições de assumir. Houve uma conversa entre os irmãos e eles me elegeram”, relembra. O fato de os irmãos estarem inseridos no dia a dia da empresa pesou para a seleção de um familiar, em detrimento de um executivo de fora. David não aponta categoricamente quais os fatores determinantes para que a escolha recaísse sobre ele. Mas acredita que alguns aspectos foram colocados na balança: estar desde 1991 na empresa, passando por vários setores, o que lhe proporcionou contato desde o chão de fábrica até os acionistas; o gosto pela área comercial; o contato constante com acionistas e investidores; vivência no exterior; além de participação ativa em entidades de classe.
David, que é formado em engenharia e administração, considera haver diferenças entre um CEO familiar e um não familiar. “Como empresa familiar, nós sempre pensamos no médio e longo prazos. Eu nunca penso em amanhã para obter um resultado ótimo, como ganhar um bônus, sem avaliar como estarei daqui a três, quatro anos. Todo negócio que faço junto com meus irmãos é pensando daqui 20, 30 anos”, analisa. Esse aspecto, segundo David, contribui para a sustentabilidade do negócio. “Quando é familiar, tem um toque mais humano na condução das empresas. Não é só técnico, as pessoas também são movidas pelas emoções. É possível fazer um equilíbrio. Não é demérito ter um CEO que seja acionista. Isso passa muita confiança para os executivos e para os escalões abaixo”, comenta. Ele observa, com base nas viagens que tem feito ao exterior nos últimos anos, que a visão sobre a empresa familiar tem mudado até mesmo em países que costumavam associar essa condição a uma gestão mais amadora. “Nos EUA, quando se dizia que o diretor-geral era da família, eles torciam o nariz. Na Europa era o contrário, elogiavam. Porque eles têm um sistema mais parecido com o que temos aqui, com empresas menores, que passam por gerações, há empresas com 400 anos. Depois, com todos os escândalos que aconteceram nos EUA, envolvendo grandes empresas que não tinham um dono, um acionista principal, eles começaram a olhar de modo diferente. Eu tenho observado muito isso. Hoje, quando eles olham uma empresa que tem um presidente familiar, que conhece a fundo o assunto e que está tocando o negócio, dão mais valor do que davam no passado”, conta. Na visão de David para o futuro, as raízes familiares não impedem que a empresa avance. Com capital aberto desde 1971, a Randon tem 21% das ações de fundos estrangeiros que aplicam na empresa. “Se olhar a Randon hoje e quando eu assumi, posso dizer que ela avançou na profissionalização. Já vinha sendo profissionalizada. A minha função, como presidente, e a de meus irmãos é de fazer com que a empresa na segunda geração se torne bem mais profissionalizada, com base em decisões compartilhadas”, afirma.
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