Renato Bernhoeft escreve sobre os impactos da longevidade no mercado de trabalho
Ter ultrapassado os 80 anos com certeza torna o tema longevidade não apenas um interesse pessoal, mas exige um olhar de pesquisa e aprendizado permanente. Relembro de que meu primeiro projeto profissional, destinado ao tema da longevidade, iniciou-se na década de 90, época em que eu ainda era do grupo da “meia-idade”, e foi destinado ao preparo de executivos para a aposentadoria.
A publicação de um livro, bem como de artigos para minha coluna no Valor, tiveram início no final dos anos 90, época em que ainda o Brasil era tratado como “o país do futuro” pelo seu índice de natalidade e um número de pessoas idosas que não chamava muito a atenção, o que fazia da longevidade um tema muito pouco comentado.
Nos dias atuais esse quadro mudou muito, e não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Em alguns países asiáticos e europeus o tema exige ações governamentais, sociais, de saúde e econômicas. Surgiu até a expressão “etarismo” que procura alertar para o preconceito crescente contra as pessoas idosas, seja no mundo do trabalho como também nas atividades sociais.
Mas, por outro lado, várias pesquisas já mostram o surgimento de um mercado crescente representado pelo que tem sido caracterizado como a geração 50+. Inclusive, durante a pandemia, ficou evidente que muitas famílias em que jovens e pessoas na meia-idade perderam o emprego, a renda das pessoas idosas representou a principal fonte de sobrevivência para vários grupos sociais.
Hoje, o mercado já começa a oferecer produtos e serviços para essa população - ainda que de forma incipiente, já que faltam pesquisas confiáveis sobre o “perfil” dos idosos e, mais ainda, falta mão de obra especializada no trato desse universo.
Especialmente, devemos alertar que a necessidade dessa população não se restringe ao lazer, preenchimento do tempo e outras formas de entretenimento. Os avanços da tecnologia por si só já representam uma área importante em que os mais velhos necessitam atualização permanente. Sem falar em sistemas educacionais, tanto no campo formal acadêmico como no conhecimento em toda a sua amplitude, representando demandas a serem atendidas.
Sem dúvida, tem crescido o mercado de cuidadores de idosos, mas que ainda exige muito preparo dos profissionais, tanto no campo da saúde como das questões emocionais e mentais, que também afetam esse universo populacional.
Entretanto, um comentário que desejo acrescentar a esta crônica se refere ao despreparo das pessoas idosas para essa fase de vida. Um olhar ao passado, e não necessariamente muito distante, mostra que as preocupações estavam muito centradas na infância, adolescência, fase adulta, estrutura familiar, etc. Mas pouco se falava sobre a importância do preparo para o envelhecimento como uma das tantas etapas da vida.
E, nesse sentido, vale sempre mencionar que esse aprendizado não está restrito ao papel profissional, onde a obsolescência atropelou muitas figuras – especialmente as masculinas – que deram forte prioridade à carreira e ao sobrenome corporativo.
As mudanças devem ser tratadas com foco nos outros papéis que vivemos. Ou seja, vida conjugal, familiar, social, educacional, recreacional e espiritual. Minha experiência em coordenar programas de preparo para a aposentadoria demonstrou que as figuras femininas estavam muito mais preparadas que os homens. Pois enquanto os homens priorizavam seu papel profissional e a carreira, descuidando dos demais papeis, as mulheres, mesmo as que entraram no mercado corporativo, continuavam atendendo as outras demandas.
Uma pesquisa recente da consultoria Bain & Company, que incluiu o Brasil, mostrou um crescimento da presença no mercado da população acima de 45 anos. Segundo o levantamento, publicado pelo Valor, funcionários com mais de 45 anos de idade eram 24% do total de trabalhadores em 2001. Em 2021, vinte anos depois, essa parcela representava 32% da força de trabalho.
Ainda segundo a pesquisa, do ponto de vista global, aproximadamente 150 milhões de empregos devem ser transferidos para trabalhadores com 55 anos ou mais, até o final da década.
Evidente que esses dados não apenas exigem preparo das pessoas idosas para se manterem atualizadas e participando do mercado mas, acima de tudo, são um alerta para os que estão hoje na meia-idade se preparem para as transformações que a vida vai exigir a cada dia.
Fica o alerta para que o leitor tenha em mente que o processo de aprendizagem não é mais apenas uma etapa da vida, mas algo permanente.
matéria publicada no jornal Valor Econômico em 07/09/23
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