Eis o segredo da longevidade de empresas familiares, de acordo com o professor e Doutor em Gestão Estratégica e Empreendedorismo, o italiano Guido Corbetta
Em entrevista exclusiva à revista GERAÇÕES, o doutor em Administração de Empresas e professor do curso Family Business da Universidade Bocconi, na Itália, Guido Corbetta garante ser possível realizar uma transição bem-sucedida em organizações familiares por meio do preparo adequado das novas gerações. O especialista é diretor do Centro de Pesquisa de Empreendedorismo e Empreendedores (Enter) e autor de vários livros sobre o tema. Entre eles: “Capazes de Crescer”, “As Médias Empresas: Em Busca de sua Identidade” e “As Empresas Familiares: Personagens Originais, Variedade e Condições de Desenvolvimento”.
A seguir, ele explica quais as atribuições dos líderes das companhias e dos sucessores e herdeiros durante os processos sucessórios, os principais obstáculos relativos ao processo, a importância de um bom sistema de governança e muito mais.
De tempos em tempos, há quem diga que as empresas familiares estão acabando, em função, sobretudo, do número crescente de fusões e aquisições em todo o mundo, das negociações com fundos de investimentos e assim por diante. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Discordo. Aliás, acredito que as empresas familiares são mais resistentes do que as demais, uma vez que costumam tolerar melhor, e por mais tempo, resultados negativos. A companhia, afinal, representa a vida e o patrimônio de seus sócios. Nada impede, no entanto, que muitas delas cresçam por meio de fusões e aquisições, por exemplo. Mas, para tanto, obviamente é preciso unidade, competência no que diz respeito à governança e boas habilidades gerenciais, além da abertura para a contribuição de executivos não familiares e terceiros, como consultores, conselheiros e investidores.
Quão importante é preparar as novas gerações para os processos sucessórios?
A preparação das novas gerações é fundamental para adequá-las à dinâmica dos negócios e da família empresária. Se não houver herdeiros capacitados, com habilidades pessoais, técnicas e gerenciais para administrar o patrimônio e a empresa, mais cedo ou mais tarde haverá conflitos com gestores e/ou outros membros da família.
Como preparar a nova geração?
Uma das principais responsabilidades de uma família empresária é ajudar os herdeiros na descoberta de suas vocações e identificar seu grau de empreendedorismo. Não se deve jamais negligenciar o papel que as instituições podem desempenhar no apoio a esses jovens. Isso vale tanto em economias maduras quanto em países em crescimento, como o Brasil.
Quais as atribuições dos líderes de uma empresa familiar durante os processos sucessórios?
Os obstáculos mais comuns dos processos sucessórios se devem à incompreensão dos múltiplos desafios que a liderança e as novas gerações costumam enfrentar. A tarefa de identificar e fomentar o surgimento de talentos e sucessores em potencial, por exemplo, fica a cargo dos líderes da empresa, assim como a transmissão de valores, conhecimentos, habilidades etc. O trabalho deve ser feito em conjunto com os membros familiares, com uma atitude franca e aberta ao diálogo e à orientação, a fim de identificar o momento certo de passar o bastão.
E quanto às atribuições dos sucessores?
Eles devem dedicar tempo e energia para entender os valores da família e a dinâmica empresarial, além de desenvolver sua capacidade de autoavaliação, trazer novas ideias, habilidades e formas de trabalhar, ganhando, desse modo, experiência e autoridade, tanto dentro quanto fora da organização.
Quais são os pontos-chave para tornar a sucessão bem-sucedida?
Destaco dez recomendações: 1 não confunda os papéis relacionados a sociedade, governança e gestão; 2 encare a sucessão como uma oportunidade e não uma obrigação; 3 novas e antigas gerações, tratem de demonstrar sua dinâmica e força empresarial; 4 defina uma dialética saudável entre as várias gerações; 5 tenha em mente que compartilhar valores familiares não representa a solução para todos os problemas da empresa; 6 tenha cuidado ao escolher parceiros externos e compartilhe com as novas gerações conceitos de propriedade que prevejam respeito mútuo e responsabilidades para com todos os públicos envolvidos no negócio, de clientes a fornecedores, de colaboradores a fornecedores; 8 abrace e apoie as práticas da meritocracia em detrimento do paternalismo; 9 oriente a educação dos potenciais sucessores por meio do exemplo; 10 planeje e valorize cada etapa da sucessão que, essencial para a longevidade da empresa familiar, é um processo que pode durar décadas, caracterizado por longos períodos de convivência entre os membros da família empresária.
Quais os principais causadores de conflitos entre as lideranças de hoje e os membros da nova geração?
Seus modelos culturais são bem diferentes, o que pode causar problemas. Diante disso, se a geração atual não quiser perder o controle da companhia que fundou ou ajudou a crescer, não deve dar margem para que os gestores futuros percam seu eixo, sua serenidade. O problema é que a pressão não raro leva os jovens candidatos a demonstrarem um excesso de atitudes egoístas, a fim de provar que merecem gerir a empresa.
Quais as suas recomendações para as empresas familiares que optam por contratar um executivo não familiar para administrá-las?
Se a opção for contratar um presidente ou um diretor-geral não familiar, é preciso que a família esteja realmente disposta a delegar a gestão de seus negócios. O ideal é que a escolha recaia sobre alguém capaz de equilibrar os negócios e a dinâmica familiar e, mais do que isso, de orientar a empresa para o crescimento a longo prazo, e não apenas para o lucro imediato. Contar com um conselho de administração forte também ajuda, e muito.
As empresas familiares costumam ter mais problemas com a sucessão?
Sim, principalmente se a família não reconhecer a transição de gerações como um processo complexo, que pode acarretar em uma oportunidade para a evolução e a continuidade da organização. As questões de sucessão costumam ser mais intrincadas nessas empresas porque os donos, diretores e gestores em geral atribuem a si próprios os papéis que exercem no dia a dia da empresa. O aprendizado contínuo das novas gerações é importante para que cada profissional tenha claro quais as suas atribuições, direitos e obrigações.
O que a empresa familiar deve fazer para ser competitiva e adaptar-se à nova dinâmica do universo corporativo?
As empresas bem-sucedidas têm o entusiasmo sempre renovado e encaram mudanças como oportunidades de ouro, tanto para a família quanto para os negócios, mesmo que essas mudanças eventualmente estejam relacionadas a erros. Além disso, elas compartilham sua experiência acumulada, seus valores e suas competências com a própria família, o que permite a transferência de conhecimento de uma geração para outra.
Qual a importância da governança para essas empresas?
É essencial prestar atenção à definição do sistema de governança, para evitar que conflitos familiares interfiram negativamente nos negócios. E ainda criar, por meio do sistema definido, mecanismos integrados de comunicação e partilha de informações importantes, com o propósito de separar bem assuntos familiares, administrativos e patrimoniais.
Mundialmente, um terço das empresas familiares sobrevive à segunda geração. Por que é tão difícil uma organização familiar se manter forte e competitiva no longo prazo?
As empresas familiares ocupam um papel de liderança em todo o mundo, seja no âmbito econômico, seja no social, especialmente no Brasil e na Itália. A taxa de sobrevivência dessas companhias em ambos os países é similar, e não depende, é claro, apenas de questões relacionadas à transição. Pesquisas revelam que os planejamentos estratégico e financeiro são ainda mais importantes para garantir a sobrevivência e a perenidade da organização. Além da prudência no que se refere ao equilíbrio financeiro, acredito que as empresas familiares precisam reconhecer quando suas estratégias devem ser renovadas e redefinidas.
É possível avaliar as semelhanças e diferenças entre as famílias Empresárias brasileiras e italianas?
Eu diria que as empresas brasileiras são mais jovens e estão crescendo mais do que as italianas. Quanto ao papel “institucional” de ambas, eu diria que ele é igualmente valorizado. Nesse contexto, penso que as companhias brasileiras poderiam olhar para a experiência e a tradição das italianas que, por sua vez, poderiam aprender sobre dinamismo e energia com as brasileiras, a fim de melhorarem ainda mais sua competitividade no mercado global.
Planeje e valorize cada etapa da sucessão que, essencial para a longevidade da empresa familiar, é um processo que pode durar décadas, caracterizado por longos períodos de convivência entre os membros da família empresária.
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