Ao comprar de volta a empresa, família Barilla busca equilibrar profissionalização e perpetuação do espírito das gerações anteriores para garantir crescimento
A fabricante de massas Barilla completou 144 anos. A história da gigante italiana é recheada de momentos de superação, mas um episódio especialmente marcante acontece em 1979, quando a família volta a ter o controle acionário da empresa, que havia sido vendida, oito anos antes para uma multinacional norte-americana. Pietro Barilla (que recebeu o nome do fundador), membro da terceira geração, sempre havia sido contrário à venda da empresa e não poupou esforços para trazê-la de volta ao comando da família.
O empenho de Pietro para manter a alma da família viva no empreendimento parece ter sido recompensado. A Barilla é hoje a maior fabricante de massas do mundo, com presença em mais de 100 países. Uma marca sólida, representante da cultura gastronômica italiana.
A saga da família empresária começa em 1877, quando Pietro Barilla monta uma loja de pães e massas no centro de Parma, onde produzia artesanalmente 50 quilos por dia. O negócio foi crescendo de forma gradual. Em 1903, a produção era de 400 quilos diários e dois anos depois 2,5 toneladas saíam das máquinas todos os dias.
Após uma tentativa frustrada de abrir uma segunda loja, em 1910, Barilla decide investir numa fábrica, com 80 funcionários, que passa a ser tocada por seus dois filhos Riccardo e Gualtiero, ambos na casa dos 30 anos, que já ajudavam o pai desde que tinham 14 anos. Riccardo cuida mais da produção, enquanto Gualtiero se ocupa do marketing e das vendas.
Com nove anos de operação da fábrica, Gualtiero morre sem deixar filhos e os negócios na segunda geração ficam nas mãos de Riccardo. Com a ajuda da esposa Virginia e dos filhos Pietro e Gianni, ele continua a investir na produção e na construção da marca.
Com a escassez de carne durante a Primeira Guerra, as massas se tornam uma alternativa para a população. Em 1936, a produção diária chega a 80 toneladas de massas e 15 toneladas de pães. A eclosão da Segunda Guerra impacta os negócios. Pietro tem de servir às forças armadas, além disso o governo determina que parte da produção de alimentos seja destinada às tropas. Com os estoques para o consumidor em baixa, parte da fábrica ainda é avariada por ataques aéreos.
Ao retornar dos campos de batalha, Pietro tem a missão de reconstruir os negócios ao lado do irmão Gianni. Em 1947, o pai Riccardo falece. Os irmãos implementam um novo sistema de distribuição ao adquirir uma frota de caminhões. Em 1950, Pietro vai aos EUA para observar práticas de marketing. A década na empresa é marcada por inovações: criação de logotipo, é a primeira a empacotar em embalagens de papelão, depois é acrescentado o plástico que permite visualizar o produto. Personalidades fazem propaganda da marca em anúncios de TV. Em 1969, a Barilla constrói a maior fábrica de macarrão do mundo em Parma, com capacidade de produção de mil toneladas diárias.
Após o período de prosperidade, a Itália vive um período de turbulências, convivendo com inflação e uma onda de terrorismo. Muitas empresas quebram. Desanimado com a situação, Gianni planeja vender a fábrica e sair do país. Pietro não concorda com a decisão, mas sem capital para adquirir os 50% do irmão, não tem como manter o negócio. Em 1971, a empresa com 94 anos de existência é vendida à norte-americana W.R. Grace.
Pietro, casado e com quatro filhos, sofre ao ver o empreendimento que leva seu sobrenome totalmente distante de sua trajetória. E promete reverter a situação. Apesar de diversificar os produtos e abrir novas frentes, a Grace não fica satisfeita com os resultados e, em 1979, coloca a empresa à venda. Pietro vê a oportunidade de reaver a propriedade da Barilla, e trabalha intensamente para obter recursos. Após algumas tentativas frustradas, finalmente consegue seu intento, aos 66 anos. “Eu estava sofrendo por várias razões, mas a principal delas é que eu havia abandonado ‘o navio’ que me fora confiado e no qual eu havia navegado até os 58 anos de idade”, declara Pietro.
O cenário no país havia melhorado em relação à década anterior. Os anos 1980 colecionam fatos que impulsionam a marca Barilla, aquisições pela Europa e investimentos arrojados em comunicação. Em 1993, Pietro Barilla morre deixando a empresa – com 25 fábricas e receitas equivalentes a 2 bilhões de euros – como patrimônio para os quatro filhos: Guido, Luca, Paolo e Emanuela. Os dois primeiros haviam ingressado na empresa assim que o pai readquiriu o negócio. Estavam na faixa dos 20 anos à época. Investiram em sua formação dentro e fora da Itália. Guido estudou economia e filosofia, morou nos EUA por dois anos, onde se aprofundou em marketing. Assumiu a operação da companhia na França em 1982. Luca também estudou nos EUA e entrou como gerente de produtos em 1984. Em 1987, ambos ingressaram no Conselho de Administração.
Paolo teve uma carreira como piloto de corridas, em que chegou a conquistar a tradicional prova das 24 horas de Le Mans na categoria protótipo, e trabalhou dois anos na Toyota, no Japão, onde obteve contato com conceitos de qualidade na produção industrial. Aos 30 anos, ingressou na empresa da família e passou um período na filial francesa. Emanuela desenvolveu sua carreira no jornalismo, mas sempre acompanhando de perto os negócios da família. Os dois filhos mais novos também passaram a integrar o conselho de administração no início dos anos 1990.
Uma particularidade que marca a história dos irmãos é a cultura reforçada por Pietro. Eles relatam que desde muito cedo, quando algum filho chegava com algum pedido pessoal, o pai recomendava que fosse promovida uma conversa entre os irmãos, sem a presença paterna, e assim, se todos concordassem, ele também estaria de acordo. Uma prática que valorizou o diálogo e a decisão colegiada, promoveu a cultura familiar e trouxe bases essenciais para a construção de uma relação societária bem-sucedida.
Outra característica da quarta geração dos Barilla é a internacionalização da marca, com notada expansão na França e Alemanha, o retorno ao mercado de pães e aquisições em países, como Turquia e México. Em 1994, entra no mercado norte-americano. Em 1999, a fábrica construída em Ames, no estado do Iowa, começa a operar. Todo o processo inclui também a contratação de CEOs não familiares, numa interação com padrões de mercado. O Conselho de Administração conta com os quatro filhos da quarta geração, sendo Guido o presidente, e outros quatro conselheiros independentes não familiares.
A Barilla tem 28 fábricas, 14 na Itália e 14 em outros países, com produtos presentes em mais de 100 países, receitas na ordem de 3,4 bilhões de euros e 8 mil funcionários.
De olho em nichos de mercado, o setor de pesquisa e desenvolvimento tem recebido especial atenção da direção. A empresa tem se dedicado a expandir a oferta de produtos com trigo integral e orgânicos. Na fábrica do Iowa, por exemplo, foram feitos investimentos para aumentar as linhas de produção de massas sem glúten.
A quarta geração busca tocar o negócio com o espírito empreendedor das gerações anteriores, o legado de Pietro, que conseguiu reaver o negócio original, mas muito além das empresas, deixou sua marca: paixão pelo produto e o nome da família.
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