Para a família empresária Catenacci, as palavras “papéis” e “ações” carregam significados que vão muito além dos jargões do mercado financeiro
Geraldo Antonio Catenacci é representante de um perfil raro: um executivo, que após 34 anos de carreira, decide empreender e torna-se empresário. Em 1996, com quatro funcionários, inicia as atividades que dariam origem ao que hoje é a Credit Brasil. Na primeira década de existência, a instituição financeira já experimenta um salto de patamar. De sua origem, quando contava com R$ 500 mil em ativos, chega a 15 funcionários e ativos de R$ 15 milhões em 2006.
Ainda que esses números fossem expressivos, havia muito espaço para crescer. Em 2005 seu filho, Gustavo, começa a se aproximar do negócio. Catenacci orienta o filho a buscar uma experiência de mercado. Após um ano e meio vinculado a uma grande instituição financeira, Gustavo retorna com planos arrojados. Na leitura de cenário feita por ele, o negócio só sobreviveria se desse um salto ainda maior. “O início da década de 2000 foi marcado por uma taxa média em queda e por um acirramento da concorrência. Outra grande mudança no nosso segmento foi a chegada do FIDC – Fundo de Investimento em Direito Creditório. A partir do momento em que você entra no mercado de capital, não tem outra escolha que não seja crescer. Se não fosse por um caminho de governança, seria muito difícil crescer no mercado de capital naquela época. Esse foi um grande desafio”, explica Gustavo.
E para responder às demandas externas, era necessário superar resistências em casa. Catenacci, com seu perfil empreendedor, liderou ao seu estilo. Com a entrada de Gustavo, que trazia um novo modelo de liderança, instalou-se um desafio na convivência entre gerações adultas. “O debate era constante. O meu pai sempre foi mais conservador. Não queríamos alavancar ou captar dinheiro com terceiros, mas, do modo como o mercado estava se desenhando, não havia como melhorar a rentabilidade do patrimônio sem alavancagem ou busca de recursos. Foi quando decidimos começar a expansão e aí, em 2007, nasce a Credit Brasil”, recorda Gustavo.
A necessidade de desenvolver a governança ficou evidente após um episódio em 2012. “A entrada de um novo sócio para a operação começou a gerar um monte de discussões, que culminou com a saída dele no prazo de um ano”, conta Gustavo. Apesar do desligamento amigável, o fato serviu de alerta. Numa conversa, um amigo aconselhou a cuidar da governança familiar antes da corporativa.
O Conselho de Família foi formalizado em 2015, após dois anos de diálogo envolvendo os quatro familiares: Catenacci, a esposa Lenny, e os filhos Gustavo e Maíra. Houve debates sobre os diferentes papeis e responsabilidades, atribuições de acionistas e gestores, e regras de relacionamento entre familiares e a empresa. Hoje, segue-se um calendário de reuniões estruturadas de informações. “Nos reunimos de três a quatro vezes por ano. Elas sabem exatamente a situação da empresa, os resultados e a distribuição dos lucros para cada núcleo familiar”. O fundador tem claro que esse fórum exerce um papel fundamental para a continuidade do negócio. “O Conselho de Família é de geração para geração, com governança para os próximos 50 anos”, diz Catenacci, que, além de Gustavo e Maíra, tem o filho Pedro, de 10 anos, e 5 netos, sendo o mais velho, filho de Gustavo, com 9 anos.
Os processos de estruturação foram quase concomitantes. A constituição do Conselho de Administração, que também se deu em 2015, embora já houvesse uma estrutura embrionária. Foi definida uma fronteira entre família, estratégia e gestão, separando claramente os papeis de pai e filho, dentro e fora da empresa. “Fazíamos reuniões mensais desde 2013, mas ainda não havia conselheiro independente nem os ritos de um Conselho de Administração”, diz Gustavo. O órgão foi instituído com quatro integrantes: Catenacci, como presidente; Gustavo, como presidente da empresa; um conselheiro independente; e um conselheiro investidor, representante de uma parcela minoritária do capital.
ALICERCES FIRMES
A estruturação da governança, num modelo completo, deixou a empresa mais preparada para outras mudanças que aconteceriam no setor. Desde 2006, segundo Gustavo, a Credit teve uma faixa de crescimento estável, de 20% a 25% ao ano, até 2015, quando o mercado passou por outra grande transformação. “A gente, no mercado financeiro, vem vivendo uma das maiores disrupções. Quem não se reinventar e não estiver disposto a disruptar a si próprio vai ter muita dificuldade de enfrentar esse novo mundo”, analisa. A companhia mudou seu posicionamento estratégico de trabalhar só com um produto para ser uma plataforma de multiprodutos e multisserviços.
Um desdobramento é o surgimento da Finplace, uma fintech que começou a operar no início de 2020. “A Finplace é uma diversificação. Estamos também montando uma gestora para abrir um leque de novos produtos, como no ramo imobiliário”, aponta Gustavo.
A nova estrutura de governança, separando funções, porém incluindo os demais familiares, gerou um novo salto no negócio, porém o efeito colateral não deixou de ser sentido pelo fundador. Como alguém que teve um insight, relata ter tomado consciência de um sentimento. “Eu me descobri um cara amargo, por conta do meu afastamento da gestão. Fui um workaholic a vida inteira, mas quando foi feita a transição, eu, fundador e gestor, fui para o conselho. Eu não tinha muita clareza do que faria nesse conselho”, conta Catenacci. Ele diz que essa percepção veio aos poucos, e alerta os fundadores para que cultivem projetos além da empresa. Ao mesmo tempo, no âmbito dos negócios, Catenacci demonstra total aprovação à condução do filho Gustavo e reconhece o sucesso desta nova etapa.
Em 2018, as reuniões do Conselho de Administração foram abertas para os cotistas subordinados, investidores que participariam como ouvintes. Essa medida foi revista e alterada posteriormente, em 2020. Os cotistas passam a participar de um comitê de investimento, medida que Gustavo considera um aprendizado. “A divisão correta dos fóruns de decisão é muito importante. O Conselho de Administração deve ser preservado em sua função e atividade, com os seus entes corretos. O investidor tem de estar ligado ao comitê de investimento e não à estratégia da empresa. Esse foi um aprendizado nosso”, acrescenta.
Se cada fórum precisa ter seu papel claramente definido para que haja uma governança eficaz, o mesmo princípio se aplica ao conselheiro, seja em que fórum estiver. Esse é um ensinamento que Antônio Catenacci faz questão de compartilhar. “Se eu pudesse voltar atrás, teria discutido mais longamente o meu papel na contribuição para o negócio. As famílias que estão montando sua governança têm de discutir isso com profundidade”, aconselha.
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