Família empresária Gentil abraça mudanças na governança para transformar seus negócios e viabilizar sua perpetuidade
O ano era 2015. A Gentil Negócios, uma das maiores franqueadas do Grupo Boticário no País, já se espalhava pela Região Nordeste. Em uma certa manhã, o CEO da empresa, Glauber Gentil, passou por uma maratona de reuniões: por telefone com o pai e fundador, Antônio, às 8h, seguida às 9h por outra presencial com as irmãs Glicia e Glênia e, às 10h, com o sobrinho Filipi, filho de Glicia, que cuidava da área de projetos.
“Quando terminei as reuniões, percebi que tinha lidado com três gerações diferentes da família e comecei a perceber que tínhamos expectativas e modelos mentais diferentes”, lembra Glauber. “Entendi que, se não tivéssemos cuidado, a tendência era perdermos a coesão que tínhamos construído”. Começava então, para valer, a construção da governança da família empresária.
Até ali, a história era típica do empreendedorismo nacional. O pai, Antônio, havia trabalhado desde adolescente no Grupo de Lojas União, no interior do Rio Grande do Norte. Começando como empacotador, foi subindo na hierarquia até alcançar a presidência da empresa. Depois de 25 anos na gestão da rede de 14 lojas, saiu da empresa, levando como rescisão dois pontos de venda.
Nos anos 80, o espírito empreendedor levaria o casal Marluce e Antônio a abrir uma franquia Boticário em Natal (RN). Hoje, são 92 lojas em cinco Estados do Nordeste e 700 colaboradores. Nas duas primeiras décadas, os filhos eram novos demais para tomar parte, mas a entrada da segunda geração no negócio era questão de tempo. “A segunda geração cai no negócio por gravidade, por necessidade e por sedução. Você é levado para o negócio nos fins de semana, nas férias, está sempre contribuindo. Quando você vê, já embarcou”, comenta Glauber.
Filho mais novo, ele entrou de vez para o negócio aos 18 anos, depois de terminar o colegial e fazer um intercâmbio em Chicago, nos Estados Unidos. “Passei a tocar alguns projetos que se conectavam com a empresa, mas não era exatamente no negócio. E fui aos poucos fazendo parte do negócio e percorrendo todas as áreas, até chegar a CEO”, resume.
As irmãs Glicia e Glênia naturalmente foram para o negócio da família, que hoje também é franqueado das marcas quem disse berenice? e Swarowski. Glicia, por exemplo, foi responsável pelas funções executivas ligadas a Pessoas, até deixar os negócios, no fim de 2019, para se dedicar ao Conselho de Família, uma posição que surgiu a partir daquela constatação de Glauber em 2015.
É preciso “comprar” a ideia
O movimento em direção à governança, iniciado pela segunda geração, só acontece se os fundadores entenderem e abraçarem a ideia. “Sem o desprendimento da primeira geração, a coisa não acontece. Mas meus pais entenderam que era preciso pensar na perpetuidade do negócio independente da família”, diz Glauber. Na época, Antônio era o líder da Gentil Negócios e os três filhos, os diretores.
Com a contratação de uma consultoria para ajudar a família a perceber seus pontos fortes e oportunidades de melhoria, ficou claro o caminho a seguir. “Nessa época, não tínhamos separação entre empresa, patrimônio e família, e fomos percebendo a importância de definir bem os papeis e as instâncias de atuação de cada um”, comenta.
“Quando você traz alguém de fora para discutir o seu negócio e ajudar a estabelecer regras de sucessão, pode criar desconfortos”, analisa Filipi, filho de Glicia e hoje diretor de RH da Gentil Negócios. “O Glauber foi sábio na condução desse tema, respeitando o timing de adaptação de cada um”, acrescenta. Em uma estrutura enxuta (Marluce e Antônio têm três filhos, seis netos e uma bisneta a caminho), ficou mais simples debater até obter consenso.
“Optamos por fazer todo esse processo sem pressa e com menos stress. Claro que houve momentos de discordância, mas foram bem contornados porque as ideias foram sendo construídas e as regras foram definidas em conjunto, em vez de impostas. Isso ajudou muito”, diz. Para isso, todo mundo participava. “Até meu primo de oito anos, que ficava lá desenhando e pintando, fazia parte do processo de criação da nossa governança”, lembra Filipi. “A presença de todos trouxe muita transparência”, diz.
Governança é uma série, não um filme
A construção da governança familiar, empresarial e societária não é como um filme, que em pouco tempo se resolve. “Parece mais uma série, em que cada temporada cresce de acordo com o histórico anterior”, compara Filipi.
Assim, lentamente as decisões foram sendo tomadas e a estrutura foi sendo organizada. O desenho do Protocolo Familiar, por exemplo, foi concluído apenas em 2018, com um plano de ação que traria, em 2020, executivos não-familiares para diversas diretorias da empresa. Nesse momento, Glauber centralizava as decisões executivas e os fundadores Marluce e Antônio atuavam formalmente no Conselho Consultivo.
No final de 2020, Glicia se tornou a presidente do Conselho de Família, abrindo espaço para a primeira sucessão executiva para a terceira geração: seu filho Filipi se tornou diretor de Pessoas, depois de ter atuado nos seis anos anteriores em diversas áreas da empresa.
O papel da nova geração
A mudança de papel de Glicia passou por dois anos de maturação. “Ela foi entendendo que tínhamos crescido bastante como empresa e que talvez fosse hora de cuidar de outras atividades na família empresária. Foi uma percepção que surgiu lentamente, ao longo do trabalho de governança, até que ela visse como poderia contribuir melhor para o todo”, comenta Filipi.
Se Filipi já estava no negócio há alguns anos e foi ganhando um espaço crescente nas decisões da empresa, seu irmão Daniel teve uma trajetória diferente. Graduado em Marketing na ESPM, em São Paulo, teve empreitadas em diversas empresas, atuou em consultoria, se tornou membro do comitê de Next Generation da Family Business Network (FBN) e ajudou a elaborar o programa de inovação da organização. Depois de conhecer os principais centros de inovação do mundo, decidiu empreender, criando a startup Tela, acelerada pela Estação Hack do Facebook.
Em março de 2020, quando a pandemia da Covid-19 chegou ao Brasil, Daniel viu que seus conhecimentos sobre negócios digitais poderiam ajudar a família empresária a superar os desafios da crise. As 92 lojas da Gentil Negócios tiveram que fechar as portas e as vendas caíram a zero. “Passei a contribuir com a área de inovação, trazendo um mindset de startup para o negócio e desenvolvendo modelos de delivery e vendas remotas”, conta.
Hoje, a área de inovação é relevante para a empresa principalmente como uma tendência. “É algo muito importante para nosso futuro e temos tido muito apoio para provocar as transformações necessárias”, diz Daniel. A provocação, por sinal, vem desde o avô Antônio. “Ele já tem 70 anos e continua provocando a gente a não ficar acomodado. É muito legal estar participando dessa construção”, afirma Filipi.
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