Só é possível criar laços com aquilo que se conhece. Esse princípio norteia programa de continuidade na Frigol
O cenário é um sítio no interior paulista. Adultos e crianças montam um quebra-cabeça com mais de 40 peças, cada qual representando um participante do jogo. A imagem a ser formada é a de uma família, com dizeres que explicitam valores pessoais e coletivos. Mas, faltam três peças para completar a imagem. Frustração? Não. A ocasião serve para passar a mensagem sobre a importância da participação de todos para que o objetivo seja cumprido, que a construção do coletivo passa pela contribuição de cada um.
Essa cena aconteceu em outubro de 2018, no encontro dos familiares da Frigol, empresa de produção e industrialização de carnes, fundada em 1970 por quatro irmãos e um cunhado. O evento foi o primeiro desdobramento do Programa de Formação de Sócios (PFS), que começou a adquirir contornos em março de 2017. Foi formado um Grupo de Trabalho (GT), com 11 integrantes, de onde se originou um comitê, com quatro membros, designado a estruturar e implantar o PFS. Logo na montagem da pauta do evento, foi identificada uma necessidade: os familiares precisavam conhecer melhor a empresa. “Muitos não sabiam quais produtos a empresa faz, para onde exporta, como são os processos”, conta Renata Oliveira Polete, integrante do comitê do PFS e da segunda geração.
O plano inicial era montar cursos para que as pessoas pudessem compreender os resultados apresentados a cada semestre. Uma abordagem muitas vezes escolhida por famílias empresárias para investir na formação técnica dos futuros acionistas. Mas havia uma questão anterior, de fundamental importância. “Tínhamos começado o planejamento desse programa com questões mais abrangentes, para que todos os familiares ficassem alinhados em relação às finanças, à contabilidade, às várias áreas. Mas, entendemos que, antes de tudo isso, nós precisávamos que as pessoas entendessem, conhecessem o negócio”, explica Veridiana Gonzaga, também integrante do comitê do PFS e da segunda geração.
A decisão foi baseada no princípio de que dificilmente alguém cria vínculo com aquilo que não conhece. Uma inspiração com base em famílias que conduzem o processo de transição por gerações para despertar o significado e a conexão dos familiares com os negócios. Movimento que traz à tona um ativo intangível, o orgulho de pertencimento, uma identidade que abrange os envolvidos e agrega valor ao conhecimento técnico. “Você só pode se identificar se conhecer o que a família faz. Se esse laço for criado com o negócio da família, a chance de engajamento pela perpetuidade é bem maior”, observa Veridiana. E Renata acrescenta: “Nossa intenção era criar esse senso de pertencimento à empresa”.
Esse objetivo de aumentar a ligação com a empresa envolvia também as crianças. Afinal, é relativamente comum haver um distanciamento das gerações à medida que os negócios se desenvolvem. “Ao conhecer a empresa desde cedo, não há um distanciamento. A ideia é que esse contato seja natural na vida deles, para não ter de recuperar o tempo perdido depois de adulto. Criando esse vínculo desde cedo é mais fácil que haja essa identificação e, quando adultos, que eles possam atuar como bom sócios”, observa Veridiana.
Para entreter a garotada (de um a dez anos) da terceira geração, foram concebidas várias atividades lúdicas. Monitorados por dois adultos da família, os futuros sócios alimentaram gado e fizeram seus próprios hambúrgueres. Participaram também de um jogo educativo, em que as ações relacionadas ao meio ambiente os faziam avançar ou voltar as casas do tabuleiro. A brincadeira abrangeu também processos da empresa (compra de matéria-prima, transporte, indústria, empacotamento e venda final ao consumidor) com o objetivo de fixar o conhecimento. Enquanto isso, os adultos conheciam os processos na indústria. No período da tarde, os 35 adultos e as nove crianças fizeram atividades juntos.
Ao término do encontro, os feedbacks foram altamente positivos, conforme conta Renata: “Tivemos os relatos de participantes que choraram, ao ver o tanto de pessoas que trabalham, quantas famílias dependem da empresa, da complexidade das operações. Essa questão do orgulho ficou bem marcada para mim”.
A concepção das dinâmicas também foi bem avaliada pelos participantes: “Justamente porque propusemos exercícios que fizeram com que eles entendessem a importância da participação de todos, não apenas daqueles que trabalham na empresa ou dos fundadores. A família como um todo precisa estar unida”, diz Veridiana. Dos 35 adultos presentes, nove atuam no dia a dia da Frigol.
O contexto confere um significado especial ao Programa de Formação de Sócios, uma vez que a empresa acaba de passar por uma reconfiguração societária. “Antes, eram os cinco fundadores, agora, existem as empresas holdings dos núcleos familiares. Então, o conhecimento e as decisões começam a ser mais debatidas dentro de cada núcleo. Cada vez mais, a segunda geração está participando e se envolvendo. Por isso, é preciso ter conhecimento, entender do negócio, do mercado, para que as decisões sejam bem embasadas e que visem ao crescimento da empresa e à sua perpetuidade”, comenta Veridiana.
Os fundadores fazem parte do Conselho de Administração, criado há 5 anos, e os filhos que trabalham na empresa participam das reuniões. O próprio Grupo de Trabalho, GT, funciona como um fórum de debates que contribui para a estruturação de um Conselho Sócio-Familiar. “Somos uma família muito grande e heterogênea, com integrantes com características e formações diferentes. A nossa ideia é apresentar um programa que nivele o conhecimento nas áreas que estão relacionadas com o negócio, para que cada sócio tenha condição de ser realmente atuante”, diz Veridiana.
Além disso, o comitê mantém a perspectiva de contribuir para a continuidade. “Temos essa função também de sempre estarmos atentos aos workshops que vão agregar conhecimento e sempre no sentido de instituir essa governança”, afirma Renata.
Quanto ao quebra-cabeça que não se completou no evento, ele virou um quadro emoldurado, com vidros dos dois lados: de um, é possível ver cada peça com o nome de um familiar atrás, do outro, a imagem formada. Completo, representando a diversidade e a força da família.
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