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GOVERNANÇA E CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO. BOM É COMEÇAR LOGO

Para o economista Luiz Carlos Vaini, a adoção de práticas de governança depende muito mais dos objetivos da empresa do que do seu tamanho.


Muito se fala sobre a necessidade, ou não, de se criar um Conselho de Administração e adotar melhores práticas de governança em empresas familiares de todos os portes. Em entrevista à revista Gerações, o economista Luiz Carlos Vaini explica a relação entre as iniciativas e porque elas são importantes para empresas de qualquer idade ou tamanho. Acompanhe:

Revista Gerações - O que você considera importante para a implantação de um Conselho de Administração em uma empresa familiar?

Luiz Carlos Vaini – O Conselho de Administração, de modo geral, ainda é um mito. Muitas vezes uma empresa implementa um conselho porque ouviu falar que seria bom, ou tem um tremendo de um problema. Mas na maioria das vezes o Conselho surge de uma necessidade não claramente objetiva. É quase como uma tentativa de buscar uma saída para acomodar situações que vão aparecendo nas áreas da família, patrimônio e empresa e tem muito a ver com o momento familiar.

Vai chegando a idade para o fundador e ele pensa na sucessão. Aí, ou ele não tem segurança de fazê-la, ou uma série de dúvidas vão surgindo quando ele busca um caminho. Ele sabe que precisa de um sucessor, mas não tem um plano de sucessão. Então a primeira ideia é acomodar membros dentro da estrutura familiar, patrimonial e empresarial. Assim o Conselho começa a surgir, para atender e acomodar.

É um processo complicado quando se trata de uma empresa unifamiliar, e mais ainda quando ela é multifamiliar. É preciso deixar claro que a essência do Conselho não é a necessidade de dirigentes. O importante é a conscientização de que, para administrar uma empresa, existem fóruns específicos com papeis definidos e segregados que devem compor um conjunto harmônico.

É um engano achar que aquele que pensa na execução, vai pensar também na estratégia. São papeis distintos e um deve colaborar com o outro. Para formar um conselho, é preciso ter o entendimento destes papeis.

RG - Que vantagens você vê em implantar um Conselho de Administração em uma empresa familiar?

LCV – Quando as empresas familiares entendem o conceito de definição de responsabilidades e de segregação de funções, elas começam a entender o conceito de governança. Aqui entram também as verificações independentes, que complementam o tripé: quando há atividades definidas e segregadas, a empresa tem a possibilidade de fazer verificações independentes.

E aí começam as vantagens de se contar com um Conselho de Administração, que é um colegiado que tem como principal papel não colocar nas costas de ninguém a responsabilidade por uma decisão. É uma vantagem enorme poder contar com uma decisão construída, porque isso significa migrar do âmbito do poder para o âmbito da decisão.

Na prática, você deixa de ter um mandatário para ter um colegiado. Além disso, as decisões são mais bem debatidas quando há o compartilhamento de visões isoladas, complementares e suplementares. Opiniões diferentes obrigam a pensar e isso pode reforçar ou mudar pontos de vista. Isso é importante e a empresa sói tem a ganhar com isso.

Sob o ponto de vista externo, a configuração de governança com Conselho de Administração traz sensação de organização para os stakeholders, que vêm todos os assuntos sendo discutidos e deliberados. O Conselho de Administração disciplina a relação entre os fóruns da companhia e isso traz repercussão positiva no ambiente externo. Por outro lado, para a diretoria, contar com um Conselho é um respaldo e tanto.

RG - Governança é só para as grandes empresas?

LCV – Quando falamos em administração, a aplicação dos conceitos de governança deveria estar presente em qualquer circunstância, independente do tamanho da empresa. O que deve variar é quão sofisticada será a aplicação desses conceitos. Por exemplo, ao definir responsabilidades, uma empresa menor pode ter dificuldades em segregar funções. Nesse caso, ela tem que ter consciência de que os riscos aumentam e deve ter a segregação de responsabilidades em seu horizonte.

O mesmo vale para as verificações independentes. Não havendo áreas distintas que possam verificar o trabalho umas das outras, a empresa deve contar com consultorias externas que façam esse trabalho. É preciso ter consciência que, quanto menor a empresa, maiores são os riscos, porque as coisas tendem a se basear muito mais em feeling do que em fatos concretos.

Outro aspecto: cada qual tem que saber o que quer ara sua empresa e seu patrimônio. Uma empresa pequena que queira continuar pequena, não vai precisar de governança. A governança está diretamente relacionada aos planejamento estratégico da empresa e ao tamanho que ela tem como meta. Tudo vai depender dos objetivos que estão sendo propostos e, claro, da complexidade do patrimônio.

RG - Qual a diferença entre os conselheiros internos, externos e independentes?

LCV – Conselheiros internos são aqueles que também trabalham na empresa e podem ser ou não da família. Externos são os que não atuam na empresa, mas representam grupos de acionistas, também podendo ser ou não da família. Já os independentes são aqueles que não atuam na empresa, não são da família e atuam representando os interesses da empresa, não de grupos. Os dois primeiros são escolhidos pelas famílias empresárias, ou pelos grupos que deverão representar. Já os independentes podem ser escolhidos de várias formas: por indicações, que podem vir de apresentações em cursos e palestras, de instituições financeiras, advogados, auditores e executivos da própria empresa, ou de outras; por meio de bancos de dados mantidos pelas próprias empresas; ou através de firmas de recrutamento, que também podem fazer uso das fontes acima.

Após a escolha dos Conselheiros, os nomes são levados à Assembleia dos acionistas, no caso das sociedades por ações, ou ao órgão congênere, quando outro tipo de sociedade, para que sejam eleitos. Em qualquer circunstância, cabe aos acionistas/quotistas a eleição dos escolhidos, por unanimidade ou por maioria. Esse mecanismo é válido para os conselheiros, sejam eles internos, externos ou independentes, designações essas não constantes da Lei. O quanto trabalhar com cada um deles, mais uma vez, vai depender da complexidade e do nível ao qual queremos levar a definição de responsabilidades, a segregação de funções e as verificações independentes.

Uma empresa extremamente complexa, por exemplo, vai exigir 90% de conselheiros independentes e 10% de conselheiros externos. Com média complexidade, podemos ter 50% de conselheiros independentes, 40% externos e 10% internos. Com baixa complexidade, 30% independentes, 60% externos e 10% internos. Lógico, isso dentro de uma configuração de ideal societário, sem conflitos. Caso existam conflitos, as medidas são outras, bem diferentes.

A vantagem de um conselho de independentes é que os quesitos de segregação de funções e verificações independentes estarão mais claramente evidenciados e atendidos. Isso não significa que um conselho com presença marcante de externos seja de baixa qualidade. Tudo vai depender da harmonia do grupo e das condições oferecidas para o exercício da função.

RG - Que tamanho ou quantos membros deve ter um conselho?

LCV – A lei das S/A estabelece um número mínimo de três pessoas. O número, na verdade, está associado ao tamanho da empresa, à sua complexidade e à diversificação de seus negócios. Em alguns casos, ele é usado para acomodar familiares. Não é um pecado mortal, desde que as pessoas contribuam para a empresa. Para isso o nível de contribuição é importante.

Nossa experiência mostra que um número bom é cinco ou seis. Par ou ímpar é indiferente porque, se o conceito é de colegiado, isso significa consenso. Se um conselho tem que votar, significa que alguma coisa está errada.

RG - O que é diferente na governança de uma família empresária?

LCV – Eu acho que mais do que qualquer outro tipo de empresa, a família empresária necessariamente tem que viver de fases. A fase é um direcionador e disciplinador das metas e permeia todos os arcos: família, patrimônio e empresa. Não se trata apenas do ambiente societário, mas do ambiente societário dentro dos núcleos familiares.

É importante, por isso, que alguém tenha o direcionamento, uma perspectiva destas fases e estabeleça etapas e metas. Estas fases devem estar alinhadas na família, no patrimônio e na empresa, bem como ser constantemente revisadas. Por exemplo: um conselho só com familiares. É aceitável, mas é preciso estabelecer um prazo e revisar essa decisão. Para isso a família deve ter fóruns, como o Conselho de Família, que é um espaço formal para que se definam estas decisões. É um processo interminável.

RG - Fale um pouco do dia a dia de um conselheiro.

LCV – O conselheiro, na verdade, não tem um dia a dia. Quem assume o papel de conselheiro tem que estar constantemente associando o ramo de negócio com o entorno financeiro, econômico e social. O conselheiro pensa na empresa 24 horas por dia e tem que ser um profissional atento ao ambiente e ao impacto que ele terá na empresa para qual ele presta serviço. Ele refina as informações que absorve para usar em sua atividade. Esse é seu dia a dia e sua dedicação vai muito além do tempo dedicado às reuniões.

RG - Quais os principais mitos sobre a governança?

LCV – O principal mito em empresas familiares é a criação de conselhos para dar satisfação e acalmar os pares, muito mais do que atender seus reais objetivos. O sucesso da continuidade do Conselho de Administração é provar que ele tem uma utilidade enorme no processo de governança. Onde ele não se prova, é melhor que acabe.

Há também o mito dos medalhões: o bom conselho é aquele formado por profissionais renomados. Isso vem diminuindo bastante e hoje é possível ver conselhos formados por membros quase anônimos. Isso é bom, porque torna o colégio maior que seus membros.

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