por Rosely Gomes*
Há uma máxima social que diz que, se fizermos o mesmo para todos os filhos, estaremos sendo justos. Será? Justo é sinônimo de igual? Somos diferentes uns dos outros e precisamos ser tratados como únicos tanto na família como na empresa familiar, pois ser justo é contemplar as diferenças.
Pensemos na seguinte situação: um pai, fundador e presidente da empresa familiar, tem dois filhos. Pouco antes de se aposentar, para ser justo com eles, define que terão igual poder de decisão sobre os negócios, como quando dava um caminhãozinho azul para um e outro amarelo, mas igual, para o irmão. Feita a distribuição, o pai assume o papel de conselheiro e os filhos dividem a liderança dos negócios.
Passam-se dois anos da transferência e os resultados e perspectivas da empresa são ruins; os diretores não sabem a quem seguir; os funcionários estão desmotivados; os irmãos mal se falam e não sabem como salvar o patrimônio da família e os primos, que talvez nunca cheguem a ser a terceira geração nos negócios, já se evitam.
Situações assim são frequentes, o que nos faz perguntar: terá sido aquele pai justo ao dividir tudo igualmente? Talvez não. Talvez um dos filhos não tenha se preparado tão bem quanto o outro para assumir os negócios; talvez um deles preferisse medicina; talvez um seja muito jovem; ou ainda o cônjuge de um deles seja um conselheiro equivocado; talvez eles nunca tenham formado uma boa parceria antes ou dialogado para tomar uma decisão.
Se já não trabalhavam bem juntos na presença do fundador, por que trabalhariam bem sem ele por perto? A vida não mudará por magia ou decreto, só porque o fundador não está mais presente na empresa. Por que tendemos a não abandonar a ideia de que o justo é o igual? Por que os pais se sentem injustos e culpados quando oferecem algo diferente a cada filho?
Essas são questões que merecem ser consideradas nos campos ético, moral e afetivo. Porém, sob qualquer perspectiva, a solução – que não seguirá um código aplicável a qualquer família, nem tampouco será eterna – virá quando as pessoas envolvidas no encaminhamento destas questões puderem assumir que a decisão não é simples, tanto para si como para seus pais, irmãos e outros parentes.
As situações que emergem da dinâmica dos vínculos familiares, dos quais depende a permanência do legado do fundador no tempo, têm de ser dialogadas no grupo familiar. Será por meio desse diálogo que as pessoas conseguirão sair da oposição para uma análise que leve em conta as verdadeiras aspirações, valores individuais e as demandas de cada um e do patrimônio.
No entanto, o medo de revelar sentimentos que ficaram por muito tempo ocultos, combinado ao medo de errar, leva à injustiça. Na prática clínica, observo que há pais que prefeririam dar a cada filho segundo seu perfil e capacidade de contribuição, mas optam pela igualdade. “Imagine a confusão que eu criaria em minha família!”, dizem. Compreendo esta angústia, pois os filhos também tendem a não aceitar tal diferença – e também não foram educados para isso -, ainda que se sintam fora de seu rumo. Afinal todos seguem, inconscientemente, uma receita cultural simplista, que "aparentemente" não dá trabalho.
Manifestar à família qual é o lugar certo para si é um desafio para grande parte das pessoas. Muitas barreiras têm de ser vencidas, quem sabe com a ajuda de terceiros. É difícil ser pai ou mãe e líder de negócios, mas a vida será ainda mais dura se não questionarmos nossas noções de certo e errado, justo e injusto e igual e desigual. O risco de optar pela igualdade, como padrão, poderá criar desigualdade.
* Rosely Gomes é psicóloga, membro da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica (SBPA) e filiada à International Association for Analytical Psychology (IAAP).
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