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A influência das heranças invisíveis na família empresária

Atualizado: 9 de nov. de 2023

Assim como nas árvores, as raízes das famílias empresárias não são visíveis, mas estão em sua base e são a sua sustentação


A convivência entre gerações adultas, com as percepções e atitudes que decorrem de distintos momentos de vida, trazem como desafio alguns momentos cruciais para a continuidade das empresas familiares. Pesquisas mundiais apontam que, historicamente, apenas 33% delas sobrevivem na transição da 1ª para a 2ª geração. Ainda mais desafiadora é a passagem da 2ª para a 3ª geração, quando apenas em torno de 14% perduram como famílias empresárias.

Um horizonte tão desafiador inevitavelmente lança a pergunta: quais seriam os motivos para tão altas taxas de mortalidade? Além disso, como se proteger ao longo da trajetória, permanecendo no grupo dos que perduram?

Quando estudamos a diferença entre os dois grupos, os motivos, em quase 70% dos casos, apontam para aspectos internos. Ou seja, não estão necessariamente ligados a questões de mercado ou desempenho de negócios, mas em diversos casos existem conflitos familiares históricos ou situações pendentes entre membros da sociedade.

A transição de gerações implica na transferência da herança, o que, ao contrário do que o senso comum aponta, apresenta o desafio de compreender que qualquer herança é composta por aspectos visíveis e invisíveis. A visível engloba o patrimônio tangível, composto por propriedades, bens, participações em empresas e recursos financeiros. O conceito de herança invisível engloba aspectos como legado, crenças da família, história, valores, cultura e expectativas; e cada um destes temas pode provocar efeitos positivos ou negativos na continuidade, dependendo de como foi transmitido entre gerações e que efeitos causou.

Parte do desafio de se tornar uma família empresária é mapear as heranças invisíveis, com o objetivo de fortalecer os aspectos positivos e seus efeitos, bem como de identificar características transmitidas que podem ter impacto negativo. Essas heranças invisíveis precisarão ser trabalhadas para que a família tenha consciência e se reconcilie com elas, minimizando o risco de causarem um forte impacto e vir a se tornar obstáculos.

As terapeutas Ivania Pimentel e Ana Maria Escobar veem nas injustiças históricas a raiz de potenciais desavenças, ou seja, as heranças invisíveis que podem minar o processo de continuidade. São os casos das filhas que reivindicam tratamento igual ao dos filhos ou de familiares bem preparados que recebem a mesma remuneração do que outros que não se esforçam. “O ideal, no contexto de uma família empresária, é pensar coletivamente”, diz Ivania. Os laços afetivos também contam e, se bem trabalhados, podem gerar efeitos positivos. Um exemplo: um patriarca com um filho e duas filhas resolveu doar 25% a mais para o filho homem. Vislumbrando o impacto na relação com suas irmãs, o filho propôs o seguinte: ele ficaria com apenas 1% a mais e elas passariam a exercer um papel de acionistas atuantes. A proposta foi aceita e, como resultado, todos foram estudar e se preparar para seu relacionamento como sócios. “Nesse caso, a questão foi reparada e a sucessão considera hoje a 3ª geração, com critérios claros, sendo o neto estagiário”, diz Ana Maria.


PALAVRAS-CHAVE: AUTOCONHECIMENTO E REFLEXÃO Para poder lidar com as heranças invisíveis e transformá-las, é fundamental que o membro da família reflita sobre seu perfil e suas competências, além das de seus familiares. É aí que costuma surgir uma barreira de difícil transposição: cada um precisa descobrir seus pontos fortes e encarar os fracos. Expor os desafios pessoais que espelham a cultura herdada por toda a família pode ajudar cada membro, individualmente, a lidar com um mesmo tema. Trata-se de um processo em que o autoconhecimento é elemento-chave. A psicóloga Rosely Gomes percebe, entre as famílias empresárias que realizam a transição de forma bem-sucedida, existem comportamentos diferenciados, em que os membros aceitam o pertencimento ao grupo e buscam o entendimento mútuo. “Eu vejo que, nesses casos, a ruptura não é uma questão sequer colocada. Se estou irritado com meu irmão, mas vou vê-lo segunda-feira na empresa, preciso lidar com isso. Ter consciência, refletir sempre, analisar, ter postura crítica: o autoconhecimento está na raiz desse comportamento”, afirma Rosely Gomes.


COMUNICAÇÃO E DIÁLOGO PARA UMA FAMÍLIA EMPRESÁRIA SAUDÁVEL Ser uma família empresária saudável envolve uma série de princípios: aceitar a diversidade, com suas vantagens e desafios; acreditar na evolução e no aprendizado contínuos de seus membros para que se tornem indivíduos independentes; realizar processos decisórios inclusivos, com comunicação ampla e transparente entre todos.

É esse último quesito – comunicação clara e transparente – que a terapeuta de casal e família Tai Castilho vê como o encaminhamento ideal para lidar com as desavenças ou com os efeitos das heranças negativas. “Só pelo diálogo é possível entender as diferenças, valorizar a experiência e visão do outro. Principalmente em uma sociedade opinativa como a que vivemos é preciso legitimar a vez de cada um falar e realizar o que chamo de uma escuta responsiva, que abre espaço para visão do outro”, diz Tai Castilho.

Numa cultura familiar em que o diálogo está na base da convivência, esta será uma característica positiva para a construção de uma boa relação societária. Mas isso não quer dizer que as conversas serão fáceis. Virão à tona visões conflitantes, pontos de vista diferentes, expectativas distintas. Um caminho para que o diálogo seja efetivo é se basear em uma comunicação horizontal em vez de uma relação vertical e hierárquica. Fica de fora aquele ditado que já foi tão comum em outros tempos: “obedece quem tem juízo”. Hoje, na perspectiva da construção de um coletivo forte, todos precisam sentir que têm voz: as mulheres em geral, os filhos, as filhas e os cônjuges. “Os agregados precisam ser acolhidos e ter a sua voz. O ideal é que eles sejam parte do sistema”, comenta Ana Maria Escobar. Outra sugestão para preservar as relações é não levar a empresa para casa. “Melhor não misturar e reservar almoços e jantares para a família”, diz Ivania Pimentel.

Além de garantir o diálogo e resolver diferenças, a comunicação transparente ainda ajuda a preservar o legado da família empresária. “As famílias precisam contar suas histórias. As pessoas costumam se esconder muito. A memória secreta de cada um é muito importante”, acrescenta Tai Castilho.

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