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Preparação acadêmica e trabalho fora do ambiente da família empresária

Como gerar grandes resultados na transição de gerações no negócio.

Foi-se o tempo em que uma nova geração familiar assumia cargos executivos com base no fato de ser a próxima na fila. Para lidar com mercados cada vez mais competitivos e globalizados, a preparação dos mais novos ganhou corpo e passou a ser considerada como um tema estratégico nas famílias empresárias.


O que não quer dizer que seja simples deixar de lado o negócio da família por algum tempo para se dedicar a cursos, seminários, faculdades ou mesmo um MBA no exterior. “Nasci e fui criado perto do negócio, porque meu pai sempre teve a preocupação de que os filhos estivessem junto com ele, tanto continuidade ao legado. Ele tinha medo de que a gente desgarrasse”, conta Hugo Garrote, membro da segunda geração familiar da São Salvador Alimentos, uma gigante na produção de frangos no país. Assim, desde cedo Hugo passava as férias na empresa, aprendendo no dia a dia como o negócio funcionava.


Logo ficou claro, porém, que somente a prática não bastaria. Do Centro-Oeste para o Rio de Janeiro, Hugo cursou Administração na FGV e trabalhou por um ano na IBM. “Foi um período muito importante, porque ficou claro que eu poderia viver sem a empresa e ter luz própria”, comenta. Ao retornar para o negócio, Hugo se empenhou em conhecer todas as áreas da operação.


A sucessão familiar só entrou no radar 6 anos depois, em 2013. “Quando falamos na sucessão do meu pai, disse que poderia substituí-lo quando chegasse a hora, mas desde que eu estivesse preparado. Eu não iria colocar a perder um patrimônio de 50 anos”, explica. Foi quando surgiu a oportunidade de fazer um MBA no exterior. “Foi um choque: eu tinha acabado de casar e parecia uma loucura parar de trabalhar para ir para outro país e só estudar. Mas logo entendi que seria o melhor para o meu desenvolvimento pessoal – e para o futuro do negócio”, lembra.


Para José Garrote, pai de Hugo, estudar fora por 2 anos era um absurdo. Quando Hugo argumentou que seria melhor fazer logo o MBA e depois ter mais uns 40 anos trabalhando na empresa, José decidiu pensar no assunto. Depois de conversar com amigos que apoiaram a ideia, ele se convenceu. “Foram dois anos incríveis, pois o MBA mudou minha forma de pensar. Antes disso eu só falava de frango, que é o que eu tinha vivido a vida toda. Abri a cabeça para novas ideias e tive uma perspectiva diferente das coisas”, conta Hugo.


Essa experiência de ter um forte contato com outras culturas e expandir os horizontes para muito além dos limites do negócio e da família é apontada por especialistas como um dos maiores benefícios de preparar as novas gerações a partir de uma perspectiva globalizada. “Só evolui quem entende outras culturas e outras pessoas. Por isso, estudar fora é essencial para crescer como ser humano”, afirma Patricia Cas Monteiro, sócia da Monteiro Marques e especialistas em processos de admissão em universidades americanas.


Para ela, o preparo obtido com essa experiência fora dos limites da família e do negócio é essencial para a perenidade das empresas. “Quando falta repertório para a nova geração, ela não consegue desafiar o status quo e não cria alternativas nem propõe ideias”, comenta. Com a inovação cada vez mais acelerada, vence quem tem mais capacidade de adaptação. “As pessoas só conseguem se adaptar se possuem repertório. Por isso, precisam sair de suas caixinhas e ter um novo olhar, uma nova perspectiva. Quem vai estudar longe de casa consegue entender novos pontos de vista mais facilmente”, acredita.


PREPARE A CAIXA DE FERRAMENTAS


Para o consultor educacional Ricardo Betti, os herdeiros de famílias empresárias precisam desenvolver um conjunto de habilidades para se prepararem para seus futuros papeis na

empresa, na sociedade e na família. “Os membros da nova geração estão ligados à família empresária de qualquer modo, então é importante que eles, mesmo quando não tenham interesse em atuar na empresa, sejam preparados para seus papeis societários. A empresa fará parte da vida deles, mesmo que eles não atuem como executivos”, afirma.


De acordo com ele, a “caixa de ferramentas” da nova geração tem que contar com alguns itens essenciais. “Participando ou não do dia a dia do negócio, estudar inglês é importante para ter acesso ao mundo inteiro e ao que há de melhor em literatura de negócios. Também recomendo estudar matemática, mesmo que seja apenas para entender melhor as demonstrações financeiras. Estudar programação também é importante, até mesmo para conseguir conversar com o pessoal de tecnologia. Fazer um MBA, de preferência fora do país, também é importante para construir uma visão de negócios, entender o negócio da família e compreender que dinheiro não nasce em árvore”, enumera.


Além disso, é importante desenvolver habilidades mais específicas, como um conhecimento aprofundado do negócio da família. “Se houver planos para exercer posições executivas na empresa, é importante atuar em diversas áreas do negócio para desenvolver uma visão integral e, mais tarde, respeitando sua vocação, se posicionar da melhor maneira na estrutura da empresa”, acrescenta.


DESENVOLVIMENTO PERSONALIZADO


Esse processo de formação pode ser impulsionado pelas novas gerações ou estimulado pelas famílias. “Os cases mais bem sucedidos têm, dentro dos Conselhos de Família, uma espécie de curadoria para que as gerações atuais preparem as próximas e transmitam seu conhecimento. Mas esse é um caminho de mão dupla: as próximas gerações também devem provocar e trazer novidades para o Conselho de Família”, afirma Fernando Andraus, sócio e cofundador da consultoria de capital humano Maio.


Esse caminho pode ser desenvolvido de diversas maneiras, dependendo das características e da cultura da família empresária. Há famílias que valorizam muito a iniciativa individual, enquanto outras criam trilhas para os herdeiros, mesmo que cada um tenha vocações diferentes. “Acredito em um caminho do meio, com práticas mínimas para que cada pessoa exerça seu papel como sócio e, a partir daí, possa se desenvolver a partir de iniciativas individuais. É importante que, nesse processo de preparação, a nova geração seja protagonista. Um caminho imposto de cima para baixo é bem menos eficiente”, comenta.


Um bom exemplo desse “caminho do meio” acontece na família empresária Nishimura, do Grupo Jacto. Membro da terceira geração e presidente do Conselho de Administração desde 2019, Ricardo Nishimura viveu esse equilíbrio entre liberdade para buscar seu caminho e responsabilidade com o legado.


“Minha trajetória não foi um caminho formal, mas foi um caminho natural”, comenta. Ele diz que sempre teve o entendimento de que em algum momento atuaria no Grupo Jacto, embora não soubesse quando isso aconteceria. Influenciado pelo pai, trabalhou por

quase 10 anos na GE e fez um MBA no exterior. Ao voltar, ficou mais 6 anos em outras empresas e só foi se aproximar do Grupo em um encontro familiar em 2012. “Naquela época, meu tio era o presidente do Grupo e fui convidado a viver o ambiente da empresa, seus valores e o processo de tomada de decisão, que é muito diferente de outros lugares”, lembra.


Durante os 7 anos seguintes, Ricardo complementou seu conhecimento teórico e de mercado com a prática dentro da estrutura familiar, passando por várias posições: começou como Gerente de Vendas, assumiu cargos corporativos, depois a vice-presidência e, por fim, se tornou presidente do Grupo. “Tratamos como uma transição de uma geração para outra e esse processo gerou uma grande unidade na família. Para a nova geração, receber esse legado é algo muito valioso, pois significa dar continuidade à história de uma família e de uma empresa que não apenas quer prosperar financeiramente, mas que quer dar um significado mais profundo de contribuição à sociedade, à medida que avançamos em nossa jornada”, afirma.


Para Ricardo, sua experiência em outras empresas e com uma sólida preparação acadêmica e profissional teve um enorme valor. “Só percebi isso depois que vim para cá, mas toda essa

experiência fora do ambiente familiar desenvolveu minha confiança e autoestima, pois eu cresci por meus próprios méritos. Esse é um caminho essencial para quem quer, um dia, estar em uma posição de liderança”, completa.


matéria publicada na revista Gerações 2022 | https://www.hoft.com/revistas

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