Missão: mudar o mundo
Diagnosticada com Fibrose Cística depois de 23 anos, Verônica Bednarczuk transformou sua condição em uma alavanca para transformar vidas.
Existem momentos na vida em que um caminho se torna o único. Às vezes, a razão para tomar uma decisão é, simplesmente, “por que sim”. Mesmo que nem sempre isso aconteça a partir de situações agradáveis. O segredo está em tirar uma lição positiva e impactar o mundo a partir de um cenário desfavorável.
A história de Verônica Stasiak Bednarczuk tem uma grande dose de situações desfavoráveis – e isso a impulsionou em sua missão de vida. “Precisamos aceitar as coisas que acontecem conosco, mas não podemos ficar estagnados, achando que nada vai mudar”, afirma.
Em seu caso, o que ela não pode mudar é sua condição de saúde. Desde muito pequena, Verônica vive uma rotina de consultas médicas e internações em hospitais. “Com 3 meses de idade tive uma traqueobronquite e depois disso tive, em média, 4 ou 5 pneumonias todos os anos”, conta. Sem ser colocada em uma bolha, mas sem ser diagnosticada com
algo além de uma asma recorrente, ela foi vivendo da forma como era possível. “Não venho de família rica, então meus pais sacrificaram muito para me dar al- guma qualidade de vida”, explica.
Aos 18 anos, uma parte de seu pulmão deixou de funcionar e foi retirado. Aos 23 anos, teve uma pneumonia tão séria que, depois de 30 dias de internação, foi enviada para casa, praticamente desenganada. “Montamos um home care e passei mais um mês nessa
situação”, diz.
Nessa época, ela estava no fim da faculdade de Psicologia e atuava no RH de uma multinacional. “Estava em um projeto excelente, terminando a faculdade que eu sonhava. Aprendi muito sobre desenvolver projetos, o que me ajudaria muito no futuro”, conta. Foi quando, convivendo com a longa internação em casa, teve um sonho. “Sonhei que tinha fundado um grupo para ajudar pessoas com problemas respiratórios, e nele eu falava sobre reconhecer a importância das coisas mais simples, como o ar que respiramos”, lembra.
A descoberta de sua condição de saúde aconteceu quase por acaso – e novamente, diante de adversidades. Uma semana depois de sair do home care, Verônica teve uma pancreatite e precisou voltar ao hospital, o que acendeu o alerta para um gastroenterologista. “Foi a primeira vez em que ouvi falar de fibrose cística. Isso nos fez pensar em como não sabemos as coisas e é necessário ter humildade para aprender. Eu estava sendo tratada por um grande pneumologista, mas estava focado em cuidar dos meus pulmões, sem olhar o quadro geral. Precisou alguém de fora, com outra visão, para matar a charada”, completa.
Fibrose Cística é uma doença genética rara, com uma incidência, no Brasil, de um caso a cada 10 mil nascidos vivos. Existem mais de 2 mil mutações genealógicas já descobertas no gene CFTR, que, quando mutado, acarreta na produção de uma proteína defeituosa que torna toda secreção do organismo mais espessa que o normal, o que dificulta sua eliminação e causa uma série de problemas de saúde.
O alívio de descobrir sua condição deu espaço à indignação. “Quantas Verônicas estão na mesma posição que eu, recebendo diagnósticos incompletos que não resolvem nada?”, questiona. A indignação levou à ação: Verônica decidiu dedicar a vida a divulgar a Fibrose Cística. Nascia o instituto Unidos pela Vida.
UMA JORNADA DE RECONHECIMENTO
O Unidos pela Vida começou como um grupo informal para disseminar conhecimento sobre Fibrose Cística. “A conscientização é essencial para que as pessoas entendam o problema e possam buscar ajuda quando tem algo errado”, recomenda. Eventos, palestras e ações na imprensa se seguiram.
Em 2011, com o nascimento da filha de Renata e Wagner, a Liz, com um diagnóstico positivo de fibrose cística, o apoio foi encontrado neste grupo informal da Verônica. “A Renata Bernhoeft e o Wagner Teixeira ficaram muito impactados e quiseram ajudar. Participamos do encontro das famílias empresárias daquele ano e, graças a todo o apoio financeiro recebido, conseguimos finalmente fundar o Unidos pela Vida como uma entidade formalizada”, revela.
Embora a ONG seja sem fins lucrativos, ela precisa gerar receitas para se manter. “Trabalhamos nossa visão a partir do que conhecemos do mundo corporativo, capacitando voluntários para ampliar a divulgação sobre Fibrose Cística nas redes sociais, nas universidades e por meio de eventos”, conta. Caminhadas e corridas de conscientização passaram a acontecer em todo o Brasil.
Em 2014, aconteceu o primeiro Mês Nacional de Conscientização sobre a Fibrose Cística, com eventos em 17 cidades brasileiras e participação de mais de 2.000 pessoas. A atuação com órgãos reguladores também é relevante, com ações de política pública e advocacy que articulam a sociedade civil e pessoas para conscientizar sobre a existência dessa condição, preparando o SUS para adotar equipamentos e melhorar os testes diagnósticos.
“Hoje, desenvolvemos eventos nacionais que reúnem profissionais do Ministério da Saúde, associações de pacientes, Poder Legislativo e outros stakeholders para discutir os melhores processos para disponibilizar os meios de tratamento para quem precisar”, afirma Verônica.
UMA NOVA FASE
Completando 13 anos em novembro, o Unidos pela Vida, reconhecido por cinco anos consecutivos como uma das 100 melhores ONGs do Brasil, e por dois anos como a Melhor ONG de pequeno porte do país, pelo Prêmio Melhores ONGs, e que já recebeu mais de 25 selos e prêmios que atestam sua transparência e profissionalismo, está ampliando seu escopo para atuar no cenário de doenças raras, além de doenças respiratórias como a DPOC, bronquiectasia e asma grave, considerando que, neste universo, podem existir pessoas com fibrose cística sem diagnóstico. “Continuamos trabalhando na educação, conscientizando as pessoas sobre a existência de condições raras, desenvolvendo dezenas de projetos e conteúdos didáticos, estimulando pesquisas, orientando profissionais de saúde e coletando dados que possam impactar políticas públicas”, explica Verônica.
Focando no estabelecimento e conscientização sobre tratamentos e terapias previstas em lei, o Unidos pela Vida tem atuado junto à Anvisa e ao Ministério da Saúde para, por exemplo, acelerar a aprovação de medicamentos considerados revolucionários para melhorar a condição de vida de portadores de Fibrose Cística.
“É um trabalho com um impacto social muito forte, pois os pacientes podem sonhar com uma vida mais longa e o serviço de saúde ser desafogado. Quando temos medicamentos que diminuem ou eliminam os sintomas da Fibrose Cística, menos pessoas têm pneumonia, infecções, complicações e em alguns casos conseguem até sair da fila de transplante”, afirma. “Nosso foco principal é assegurar que as pessoas tenham o melhor para que possam viver bem. A Fibrose Cística não precisa mais ser uma condição debilitante”, finaliza.
matéria publicada na revista Gerações 2024: https://www.hoft.com/revistas
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